segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Os porcos não voam, e em certos casos até concordo

 

Quando um homem das ciências se mete a dissertar sobre matérias que não são da sua especialidade, dá nisto:

“… ocorreu ontem à noite na TVI. No seu comentário habitual, o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa equivocou-se, ao fazer uma comparação errónea.

Comentando os pedidos de desculpa dos ministros Nuno Crato e Paula Teixeira da Cruz, o Prof. Marcelo afirmou a certa altura: Eles entendem que, pedindo desculpa, cumpriram a sua missão. Mas isto tem um preço. É um bocadinho como a TAC: quando uma pessoa faz uma TAC, a TAC fica no corpo, aquela radiação fica lá e não se cura. Ver vídeo a partir dos 20 minutos.

Todos percebemos que se tratava de uma analogia, mas há limites para certas analogias, sobretudo quando são feitas perante centenas de milhar de pessoas… A TAC não fica no corpo (que é isto da TAC ficar no corpo?!). Os raios-X não ficam no corpo; entram, atravessam o corpo e são detectados, caso contrário nem produziriam qualquer imagem! E nem vale a pena referir o não se cura…”

Uma analogia bizarra...

Repare-se como se falou, em primeiro lugar, em analogia, depois em comparação , e novamente em analogia — como se os dois conceitos fossem idênticos ou mesmo semelhantes.

O prof. Carlos Fiolhais tentou remediar o caso. Mas esqueceu-se de dizer que os cientistas, em geral, não aconselham uma mulher grávida a expor o ventre a raios-X — vá-se lá saber por que razão... !


O cientista da “analogia bizarra” funciona indutivamente — tal como David Hume, por exemplo, funcionava indutivamente. E por isso é que uma analogia é, para os dois, uma comparação!

David Hume tentou destruir todas as analogias quando as reduziu a simples comparações. Mas sem analogias não é possível fazer ciência e nem é possível explicá-la em linguagem comum — sendo certo que uma analogia não é uma comparação.

Se perguntassem a David Hume e ao Eduardo Martinho se seria possível relacionar um avião, por um lado, e um automóvel, por outro lado, certamente que o primeiro diria que não seria possível, porque o avião tem asas e o carro não tem (embora ambos transportem pessoas). Quanto ao segundo, anda lá perto da indução de David Hume... portanto, qualquer analogia (ou comparação, o que para ambos vai dar no mesmo) entre um avião e um carro é considerada um absurdo.

David Hume dizia que, com toda a certeza possível, os porcos não podem voar porque nunca se observou um porco a voar.

Porém, a verdade é que não podemos afirmar que um porco não pode voar apenas porque nunca vimos um porco voador. Nem tão pouco a ciência pode afirmar que não existem porcos voadores, porque a ciência não pode dizer que não existem no universo porcos com asas. A ciência pode verificar o que existe, e não aquilo que alegadamente “não existe”. Aliás, Karl Popper demonstrou que a ideia do porco voador nem sequer pertence à ciência, porque não é refutável: a ciência não tem que se meter nesse assunto. Mas os cientistas metem-se.

A ideia segundo a qual os Raios-X são inócuos para a saúde humana é refutável — e por isso pertence à ciência.

E na medida em que pertence à ciência, não é uma verdade absoluta nem uma certeza. Quando um cientista tem certezas, encara a ciência como uma espécie de fé mística baseada na observação / indução  — um pouco à laia do misticismo oriental que se baseia quase exclusivamente na observação e na experiência pessoal.

Este fenómeno da predominância da indução e da experimentação na ciência, é moderno: até Newton (incluído), a ciência foi pitagórica, ou seja, baseada em grande parte na dedução. Foi com Darwin — na peugada do cepticismo radical de Hume — que a ciência passou a ter certeza absoluta de que os porcos não podem voar.

Em um universo em que não existe uma certeza absoluta (passo a redundância) de que o planeta Terra não possa, de um momento para outro e por exemplo, passar a orbitar a estrela Sírius, não me custa a aceitar de que possa existir uma possibilidade mínima de um porco poder ganhar asas e voar. Aliás, porcos que voam alto é o que há mais por aí…

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