“Admiramos um médico que arrisca a vida durante uma epidemia ou uma peste, porque julgamos a doença um mal e esperamos diminuir-lhe a frequência.”
Temos aqui uma proposição consequencialista de um “filósofo” moderno 1 .
Na modernidade, a ética foi dividida artificialmente em duas facções: os epicuristas — que influenciaram Bentham e o utilitarismo —, e os estóicos — que influenciaram Kant, que diria, em oposição à proposição supracitada, o seguinte:
“Admiramos um médico que arrisca a vida durante uma epidemia ou uma peste apenas e só pela sua acção e independentemente de quaisquer consequências.”
O estóico Kant não é virtuoso para proceder bem, mas antes procede bem para ser virtuoso — o que corresponde à ética luterana, em oposição à ética católica que se baseia — pelo menos até ao "papa Francisco" — nas obras e na acção do católico. Portanto, quando falamos em “Cristianismo” temos que saber de que espécie de Cristianismo estamos a falar.
Na frase em epígrafe, não passa pela cabeça do “filósofo” epicurista moderno mencionar o altruísmo do médico que arrisca a vida durante uma epidemia ou uma peste: só lhe interessa a consequência da acção do médico. Porém, seja qual for a suposta motivação subjectiva do médico que arrisca a sua vida, essa motivação é sempre passível de ser objectivamente classificada de “altruísta”.
Ao estóico Kant, não lhe interessa saber quais as consequências dos actos da pessoa, porque o sábio estóico — que é o modelo a seguir — é considerado um ser perfeito.
O catolicismo propriamente dito valoriza o acto entendido em si mesmo (porque, para o catolicismo, as obras são importantes), mas essa valorização é feita no contexto da consequência desses actos.
O catolicismo tradicional não separa a causa e o efeito, exactamente porque “causa” e “efeito” são tautológicos — “não há efeito sem causa”: cada um dos dois termos só se podem definir por intermédio um do outro. Não há nada que indique que os dois termos (causa e efeito) possam ser inscritos em um discurso puramente lógico (como erradamente pressupõem epicuristas e estóicos modernos).
Um católico diria assim:
“Admiramos um médico que arrisca a vida durante uma epidemia ou uma peste, pelo valor ético do seu altruísmo e pela sua sensibilidade em relação ao sofrimento humano, na luta contra a doença.”
Nota
1. Não considero Bertrand Russell um filósofo, mas antes um estudioso de filosofia.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Neste blogue não são permitidos comentários anónimos.