terça-feira, 30 de agosto de 2016

O salafismo positivista do David Marçal

 

O David Marçal escreveu o seguinte:

“Significa isto que [as medicinas alternativas] não conseguem provar a sua eficácia e segurança através dos métodos exigidos à medicina convencional. Têm na sua essência conceitos pré-científicos, como o vitalismo, a ideia de que há uma dimensão não material do corpo humano, com a qual se consegue interagir, de forma a curar as doenças. Como as pessoas têm a ciência em boa conta (e por bons motivos) o misticismo é embrulhado com um jargão científico da moda”.


cientismoA ideia de um conhecimento seguro do mundo, mesmo que se trate apenas das noções fundamentais mais genéricas, é hoje considerada como fracassada. Por isso é que o David Marçal, o Carlos Fiolhais etc., esperneiam sistematicamente em nome da “ciência”.

A ciência é um instrumento da nossa vontade de sobreviver neste mundo, mas não pode substituir outras áreas da realidade humana, como pretende o David Marçal e os camaradas do Rerum Natura.

A medicina não cura doenças — no sentido em que as doenças não desaparecem. As doenças podem sempre voltar a qualquer momento, seja no indivíduo, seja no colectivo. A medicina trata as doenças.

O David Marçal fala em “dimensão não material do corpo humano”; mas a ciência não sabe o que é “matéria” — excepto o David Marçal, que parece que sabe mais do que os cientistas sérios de todo o mundo. É este tipo de posições que faz com que o David Marçal perca alguma razão que possa ter. O David Marçal fala em “matéria” como eu poderia falar em “gambozinos” ou em “unicórnio voador”: entidades abstractas que não têm definição operacional. ¿O que é a matéria?

A ideia segundo a qual “a medicina convencional consegue provar a sua eficácia e segurança através do método indutivo” (indução ), é uma verdade adquirida, ou seja, uma crença do David Marçal. E, desde logo, os instrumentos a prova também devem estar sujeitos ao escrutínio da prova.

“A tentativa e erro não são indução, mas precisamente presunção e selecção” (Karl Popper). “Os indutivistas interpretaram mal a forma lógica interna da tentativa e erro. Não viram que a tentativa é sempre uma presunção e o erro é sempre uma selecção”.

Ou, como escreveu Thomas Kuhn: “Os teóricos das ciências mostraram repetidamente que a um conjunto de dados pode sempre corresponder a mais do que apenas uma construção teórica”.

É um absurdo que se diga que os factos (“facto” entendido como “verificação intersubjectiva de um evento”) podem ser pressupostos indiscutivelmente como pontos de partida da ciência — porque qualquer percepção ou observação já está (previamente) impregnada de teoria através das categorias presentes no nosso cérebro, ou da nossa linguagem, visto que estas também estruturam as nossas actividades intelectuais.

É evidente (ou seja, é verificável intersubjectivamente) que a descoberta da penicilina, por exemplo, foi importante para combater determinadas doenças; mas isso não significa que a penicilina seja necessariamente a única forma de as combater. É certo que devemos ser cépticos em relação a determinado tipo de crenças miraculosas, mas o radicalismo do David Marçal transforma-se em uma crença em relação à qual devemos ser cépticos também.

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