quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Por que o Euro não é viável na actual Europa

 

Temos aqui um exemplo acabado de como a teoria pode ser um obstáculo sério para se compreender minimamente a realidade1.

As razões por que o Euro não é viável, pelo menos nas condições actuais da Europa, são razões objectivas e práticas que decorrem de factores objectivos e concretos: factores culturais, económicos e financeiros. A “análise” feita aqui surpreende porque, por um lado, trata o fenómeno do Euro como se a construção/imposição de uma moeda internacional tivesse no Euro o seu primeiro caso2; por outro lado, não estabelece qualquer paralelismo prático, por exemplo, com o dólar nos Estados Unidos; e, finalmente, comete erros grosseiros de análise, como por exemplo:

1º. O euro não foi capaz de assegurar a separação entre o dinheiro e a política

No artigo mencionado, observei, como Philipp Bagus, que, infelizmente, a adopção do euro deu respaldo a que vários governos independentes pudessem usar um sistema de bancos centrais para financiar seus gastos, emitindo títulos públicos que podem ser comprados pelo sistema bancário e usando esses papéis como colaterais para garantir novos empréstimos junto ao Banco Central Europeu. Assim, a base monetária aumenta e os preços tendem a subir, não só no país deficitário, como em toda a zona do euro. Vemos, então, que os governos encontraram no euro uma forma de transferirem os gravames sobre seus déficits para outros países da comunidade, bem como para o resto do mundo, sob a forma de senhoriagem.

Ora, se há um fenómeno que praticamente não existe, desde que há Euro, é a inflação desmesurada. O Euro, pelo contrário, é causa de deflação, e o Euro nunca foi outra coisa senão uma preocupação constante com o combate contra a inflação. Quem escreveu aquilo revela que não tem uma noção real do que se passa concretamente na zona Euro. Todo o artigo peca pela submissão do real ao racional — a submissão do real à teoria — que é também uma das características da teoria económica marxista.

Desconstruir todo aquele texto exigiria que eu escrevesse um outro texto três vezes mais extenso. Por isso, vou fazer aqui apenas um resumo das razões práticas e concretas por que o Euro, nas actuais circunstâncias europeias, não é viável.

Em primeiro lugar, os estados da zona Euro não fazem parte de um Estado ou de uma Nação.

Portanto, temos aqui razões políticas concretas e objectivas. Não é preciso muita teoria para constatar o óbvio. Ou seja, não existe uma política monetária propriamente dita, tal qual existe, por exemplo, nos Estados Unidos. O BCE [Banco Central Europeu] não pode ser equiparado ao Federal Reserve americano, porque não tem a autonomia de acção do Banco central americano. Praticamente a única função do BCE [Banco Central Europeu] é conter a inflação dentro da zona Euro.

Em segundo lugar, e tal como sublinhou Milton Friedman, uma moeda só é viável em um contexto em que exista uma convergência de alguns factores essenciais: por exemplo, uma língua (idioma) comum, ou seja, um contexto cultural convergente; e um contexto político comum, em que a política monetária seja coordenada de modo convergente em relação a todo o território em que circula a moeda. E finalmente, uma convergência económica, em que as políticas monetárias favoreçam as zonas mais pobres ou menos desenvolvidas — como acontece nos Estados Unidos, por exemplo, com as políticas federais de beneficiação de zonas degradadas economicamente (Detroit), ou com a actual política de quantitative easing do Federal Reserve, que não pode ser realizada pelo BCE [Banco Central Europeu] de igual modo.

Estas são as duas principais razões — senão mesmo as únicas — por que o Euro não é viável.

¿A situação de inviabilidade do Euro pode mudar? Pode!

Mas é quase utopia pedir que países como a Alemanha ou a França abdiquem de pedaços essenciais das suas respectivas soberanias. Por outro lado, é quase impossível que se estabeleça o inglês como língua oficial na União Europeia, língua essa ensinada às crianças logo na escola primária como língua principal. Só através de uma unificação linguística se poderá construir uma convergência cultural essencial a uma política monetária, económica e financeira comuns aos países da zona Euro.

¿O Euro pode ser viável? Pode, mas é quase impossível, a não ser que exista uma espécie de guerra do tipo da Guerra da Secessão americana do século XIX que imponha a todo o território europeu uma lógica política unificada. Hitler tentou isso mesmo através do III Reich.

Notas
1. [“minimamente”, porque é impossível compreender cabalmente a realidade].
2. [os Estados Unidos de antes da Guerra da Secessão, no século XIX, não eram um país unificado: antes, era uma confederação de estados praticamente independentes]

1 comentário:

  1. Caro Orlando,

    Não acedito que o Euro possa alguma vez vir a funcionar sem uma união política da Europa. Ora, fazer essa tal união política através da via democrática é impossível e quem pensar o contrário vive no mundo da fantasia. Portanto das duas uma: ou surge alguém que impõe pela força a tal "lógica política unificada" na Europa, ou então mais dia, menos dia, o Euro vai pelo cano...

    Publiquei:

    http://historiamaximus.blogspot.pt/2014/01/por-que-o-euro-nao-e-viavel-na-actual.html

    Cumpts,
    João José Horta Nobre

    Contacto: historiamaximus@hotmail.com

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