domingo, 13 de abril de 2014

Quando os patrões faziam milagres

 

Um patrão para quem trabalhei em meados da década de 1980 era dos antigos, tinha uma gestão empresarial militarista — a gestão de tipo “cogumelo” 1 — e uma certa forma “patriarcal” de lidar com os trabalhadores — era como uma espécie de “grande pai de família” cujos “filhos” era os mais de 700 empregados da empresa. Isto já não existe: o mofo deu-lhe!

Uma vez por ano, perto do Natal, o patrão organizava uma festa com comida e bebida grátis para os trabalhadores, e realizava uma tômbola gigante, através da qual todos os trabalhadores (incluindo eu) se habilitavam ao sorteio de Mil Contos (cerca de 5 mil Euros).

Mas a tômbola estava viciada, embora só meia dúzia de pessoas (eu incluso) sabia da marosca: uns dias antes da festa, o patrão perguntava a essa meia dúzia de pessoas: “¿Quem anda aflito com a vida?”. A resposta vinha célere: “Fulano tem uma filha muito doente que precisa de uma operação muito urgente aos rins!”. “Pois bem”, dizia patrão patriarca, “vamos viciar a tômbola e atribuir o prémio dos Mil Contos ao número da tômbola do Fulano”. E assim era! Depois de saído o prémio, o povo trabalhador presente na festa comentava, atónito: “¿E não é que saiu o prémio mesmo a quem precisava?!! Parece que foi o Nosso Senhor que operou um milagre!”

E eram mesmo “milagres” que os patrões de antanho faziam, e que hoje já não existem: os trabalhadores deixaram de ser vistos, pelos actuais patrões, como ser humanos. Apesar da “gestão de cogumelo”, houve um tempo em que trabalhar em uma empresa fazia parte da nossa cultura e de um projecto de vida a prazo definido.

Nota
1. Gestão de tipo cogumelo: há um maioral, e o resto é tudo composto por cogumelos. De vez em quando o maioral defeca para cima dos cogumelos, esperando que eles cresçam!

2 comentários:

  1. Nos últimos anos perdeu-se por completo a ética e o respeito no Mundo do trabalho.

    Na danone até já se fazem estágios a troco de iogurtes...

    Publiquei:

    http://www.algolminima.blogspot.pt/2014/04/quando-os-patroes-faziam-milagres.html

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  2. E aqui no norte, a quantidade de patrões de antanho que criaram empresas (pequenas lojas e pequenas industrias), e os filhos médicos ou engenheiros não queriam seguir as pisadas, ofereciam as mesmas aos funcionários.

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