domingo, 8 de novembro de 2015

Anselmo Borges está errado acerca do dualismo aplicado ao ser humano (1)

 

Hoje já não é possível falar de conceitos filosóficos de forma totalmente abstracta, ou seja, sem meter alguma da mais actualizada filosofia da ciência no “barulho” da discussão. O Anselmo Borges escreve aqui:

Podemos afirmar que Anselmo Borges é “um ateu que ainda não saiu do armário".

« Já não é sustentável uma concepção dualista do ser humano, à maneira de Platão ou Descartes: composto de alma e corpo, matéria e espírito. O homem é uma realidade unitária, para lá do dualismo e do materialismo.

O jesuíta J. Mahoney, que já foi membro da Comissão Teológica Internacional, escreveu de modo feliz: "Não se deve considerar a alma humana, constitutiva da pessoa, como se fosse um espírito puro infundido a partir de fora num receptáculo biológico no instante da concepção, mas referir-se a ela mais apropriadamente entendendo-a como um brotar ou emergir a partir do interior do próprio material biológico dado pelos progenitores, genuínos originantes pela sua parte, sem necessidade de ter de recorrer a uma intervenção divina quase milagrosa, para a produção de uma nova realidade.

Portanto, a afinidade que existe entre matéria e espírito permite-nos, e inclusivamente exige-nos, considerar o emergir da nova pessoa humana como um processo que leva tempo e requer um certo período de existência pré-pessoal como o umbral através do qual se dá a passagem a uma existência animada no sentido pleno da palavra." »

O Anselmo Borges traduz a mundividência imanente generalizada dos “progressistas” que actuam dentro da Igreja Católica e que toleram o aborto.

Vamos definir “dualismo”: em metafísica, é a teoria segundo a qual a realidade é formada de duas substâncias independentes uma da outra e de natureza absolutamente diferente: por exemplo, o espírito e a matéria, ou, como em Descartes, a alma e o corpo.

¿Será que esta definição é absurda? Vejamos, na física quântica, os conceitos de “onda” e de “partícula” que formam a realidade material: são duas “substâncias” independentes uma da outra e de natureza absolutamente diferente; e no entanto enformam a realidade material. Aconselho a Anselmo Borges, que está em Coimbra, que aprenda alguma coisa com o Carlos Fiolhais.

Posto isto, faço a seguinte pergunta: ¿Newton estava totalmente errado na sua mecânica? Resposta: não. O próprio Einstein aproveitou alguns conceitos de Newton; e Einstein também esteve errado em alguns conceitos, por exemplo, na sua recusa do conceito de “não-localidade”. Ou seja, o “dualismo metafísico” deve ser entendido como um conceito dinâmico, e não — como faz Anselmo Borges — como um conceito cristalizado no tempo de Descartes ou de Platão.


O prémio Nobel John Eccles escreveu o seguinte1 :

“A nossa simples existência como um Eu consciente é um milagre. Dado que as propostas de solução materialistas não permitem explicar a nossa singularidade, da qual fazemos experiência, sinto-me obrigado a deduzir a singularidade do Eu, ou da alma, de uma criação espiritual sobrenatural. Para exprimi-lo em termos teológicos: cada alma é uma criação divina.”

O cérebro é a condição necessária, mas não a condição suficiente da consciência. Tratamos aqui de uma diferença lógica que fundamenta a capacidade que o espírito tem de influenciar o cérebro e o organismo: “só volto a ser senhor na minha casa sob esta condição!”; não é por que se transplanta o cérebro de um lado para outro que a consciência se altera na sua essência, embora possa ser modificada na sua substância (epifenómeno).

Segundo Eccles, a relação entre o espírito e o cérebro poderia ser imaginada à semelhança da relação entre o pianista e o piano: embora o pianista precise do piano para tocar, aquele pode subsistir sem este.

Esta versão do problema do cérebro é designada de “dualismo”, porque parte de duas entidades separadas (o espírito e a matéria do cérebro).

A objecção essencial contra o dualismo foi sempre a de saber como é que o espírito, entendido como imaterial2 , actuaria sobre a matéria do cérebro. Se o espírito quiser actuar sobre a matéria do cérebro a partir do exterior, tem que desrespeitar a primeira lei da termodinâmica3 . Seria necessária uma energia material exterior ao sistema físico para influenciar a matéria. Porém, isso seria incompatível com as leis da natureza, uma vez que a energia no universo tem de permanecer sempre constante.

Porém, existe uma particularidade da física quântica4 : a amplitude de probabilidade da função de onda quântica de uma partícula elementar não constitui um campo material, mas ainda assim actua sobre a matéria, ao causar probabilidade de um processo de partículas elementares. Este facto abriu a possibilidade de estados finais diferentes, resultantes de processos dinâmicos idênticos, sem que tivessem sido alteradas as condições iniciais como por exemplo, o suprimento de energia.


Portanto, a ideia de Anselmo Borges segundo a qual a consciência ou a alma humanas é “um brotar ou emergir a partir do interior do próprio material biológico dado pelos progenitores” traduz uma forma de epifenomenalismo, ou seja, é uma forma de ateísmo e de materialismo. Grande parte dos teólogos católicos actuais são ateístas da espécie de Espinoza: “Deus sive Natura”. Perante o que Anselmo Borges escreveu, podemos afirmar que Anselmo Borges é “um ateu que ainda não saiu do armário”, e portanto não tem autoridade moral para falar em nome da Igreja Católica.

Fazendo uma analogia: da mesma forma que a luz se expressa na realidade através de duas “substâncias” independentes uma da outra e de natureza absolutamente diferente — a onda e a partícula —, assim o ser humano contém em si duas “substâncias” independentes uma da outra e de natureza absolutamente diferente. Como se faz a “fusão” entre a consciência ou alma humana, por um lado, e a matéria biológica, por outro lado, é o busílis da questão.


Por fim, temos o conceito de “reencarnação” — não confundir com “metempsicose”, que admite como sendo normal o retrocesso ontológico (por exemplo, no Budismo), ao passo que a “reencarnação” propriamente dita admite o retrocesso ontológico apenas em casos muito excepcionais e em um contexto de uma espécie de casuística.

Os Evangelhos têm algumas referências à reencarnação, por exemplo quando Jesus Cristo pergunta aos discípulos: “Quem dizem os homens que eu sou?” Eles responderam: “João Baptista; outros, Elias; outros, ainda, um dos profetas” (S. Marcos 8,27). Mas a reencarnação tornou-se um tabu na Igreja Católica a partir do concílio de Niceia sob os auspícios do imperador Constantino cuja amante era uma ex-prostituta (segundo a teoria da reencarnação, temos que expiar em vidas futuras os desmandos da actual vida). Durante a patrística cristã, a reencarnação foi um conceito aceite pela maioria dos cristãos de antanho.

O fenómeno da reencarnação já é investigado em algumas universidades americanas. Por exemplo, O Dr. Ian Pretyman Stevenson foi um médico psiquiatra de origem canadiana que acabou a sua vida profissional como professor na universidade da Virgínia, Estados Unidos. O prof. Stevenson dedicou grande parte da sua vida a investigar os relatos de “experiências de quase-morte” e de “reencarnação”; entre dezenas de milhares de testemunhos, Stevenson foi estudando esses relatos com toda a dúvida metódica que caracteriza a ciência, arranjando uma explicação “científica” para a maioria dos casos relatados.

A Igreja Católica terá que alterar a sua doutrina, não no sentido proposto por Anselmo Borges, mas antes no sentido oposto, baseando-se nas experiências espirituais humanas e nos dados fornecidos pela Física, que é a ciência por excelência.


Notas
1. 1989, Evolution Of The Brain : Creation Of The Self.
2. a onda quântica pura também é imaterial, porque não tem massa
3. Princípio da equivalência (ou conservação de energia): a energia não pode ser nem criada nem destruída, mas apenas transformada. Num sistema fechado (alegadamente o universo considerado como sistema fechado), a sua energia total permanece constante e representa o “equivalente mecânico” do calor
4. John Eccles e F. Beck, 1991

1 comentário:

  1. Quanta estupidez infiltrou-se na Igreja! Quanta falsa sabedoria, quanta falta de amor pela verdade! É lamentável.

    Se o espírito "brota" da matéria, como querem esses ATEUS E MATERIALISTAS vestidos de padres, o que seria ele senão matéria também? Como pode de uma coisa brotar outra de natureza diferente? Se A brotou de B é porque o germe de A sempre esteve em B e ambos são portanto a mesma substância. Mas se o germe de A nunca esteve em B, como pode ele brotar dali? PODE ALGUMA COISA, COMO QUE POR SI MESMA, BROTAR DO NADA? Só Deus Nosso Senhor pode criar algo a partir do nada.

    "A própria Bíblia tem uma concepção unitária da pessoa. Por isso, não se crê na imortalidade da alma, mas na ressurreição dos mortos, não no sentido da reanimação do cadáver, mas da plenitude da existência da pessoa toda em Deus."

    Esse padre (?) não crê na imortalidade da alma? O que ele quer dizer com "não no sentido da reanimação do cadáver"? Ele não crê que no dia do Juízo as almas se reunirão para sempre aos seus corpos?

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