sexta-feira, 21 de julho de 2017

O Anselmo Borges e o Ouroboros

 

Pela primeira vez, que me lembre, estou parcialmente de acordo com o Anselmo Borges — não pelas múltiplas citações (eu prefiro citar reaccionários, como por exemplo, Nicolás Gómez Dávila ou G. K. Chesterton) que ele introduz o seu (dele) texto, mas pela essência do dito.

O problema é que o Anselmo Borges faz parte da cultura niilista que ele próprio critica; é uma espécie de serpente que morde a sua própria cauda.

“A causa da enfermidade moderna é a convicção segundo a qual o Homem se pode curar a si mesmo.”

— Nicolás Gómez Dávila

Sobre o texto do Anselmo Borges:

Desde logo, Nietzsche não foi um filósofo; foi um literato. Por exemplo, poderíamos também apodar o Antero de Quental de filósofo, mas ele foi mais um literato bipolar do que um filósofo: o seu pensamento tem muitas falhas, baseou-se no panteísmo de Spinoza, e não criou um sistema ou uma doutrina coerentes. E tal como Nietzsche, morreu louco.

Aliás, esta opinião não é só minha: o insuspeito ateu e racionalista Bertrand Russell é da mesma opinião: Nietzsche foi um literato, e não propriamente um filósofo.


Ou seja, a essência do problema da modernidade (ao contrário do que implicitamente parece sugerir o Anselmo Borges) não está no louco literato Nietzsche, mas antes está no Romantismo em geral e, em particular, no Positivismo que é o Romantismo da Ciência.

Ora, o pensamento do Anselmo Borges está eivado de Romantismo — desde Rousseau até Hegel. E a única forma de sairmos da Matrix positivista e/ou romântica que caracteriza a modernidade, é sermos reaccionários — mas isso seria impossível à mente alienada do Anselmo Borges. Um reaccionário é, por exemplo, alguém que não acredita que os problemas humanos tenham (de todo!) soluções humanas; ora, esta ideia reaccionária é, aos olhos do romântico Anselmo Borges, asquerosa. O Anselmo Borges é um progressista, que acredita que o progresso é uma lei da Natureza. Um reaccionário é um eremita moderno que vive no meio da multidão.


“Quem olha sem admirar ou sem odiar, não viu nada.”

— Nicolás Gómez Dávila

ouroborosQuando o Anselmo Borges se refere (neste texto, como em todos os outros textos dele) ao “Outro”, baseia-se em uma visão niilista — na linha do protestante cristão dinamarquês Søren Kierkegaard que se mistura com o sentimentalismo do judeu francês Emmanuel Levinas (“A partir do momento em que o outro olha para mim, torno-me responsável”).

Levinas (assim como Schopenhauer) renunciam a uma fundamentação racional da sua escolha de valores: esta surge, em vez disso, espontaneamente da profundidade dos sentimentos e da (alegada) empatia fundamental. O Anselmo Borges “anda no meio disto”, com as portas abertas à arbitrariedade em nome do sentimento — mas nem todos os seres humanos têm os mesmos sentimentos, e alguns nem sequer são capazes de sentimentos empáticos; e ainda assim, para estes também terá que existir uma ética que seja válida.

Quando o Anselmo Borges defende a substituição da população europeia através da imigração massiva, fá-lo no espírito do niilismo (de Schopenhauer ou de Levinas) que “se torna responsável pelo outro”, mas que abole o princípio humano da auto-conservação. A defesa da imigração massiva na Europa (ao mesmo tempo que se defende a liberalização do aborto nas populações autóctones) é uma forma de niilismo que destrói o espírito de auto-conservação das sociedades (que caracteriza o Anselmo Borges e os chamados “progressistas”): “o racismo branco é mau; mas o racismo contra os brancos é muito bom” — é o lema dos progressistas, que inclui o papa que o Anselmo Borges tanto venera.


“O político de consciência mais delicada apenas consegue ser uma puta pudica.”

— Nicolás Gómez Dávila

Hoje vivemos em uma sociedade em que as elites alinham o seu discurso pelo mesmo diapasão de um exibicionismo moral politicamente correcto, próprio de putas pudicas. O discurso moral das putas pudicas é progressista (no sentido do “progresso” como uma lei da Natureza) e exibicionista. É neste contexto que se insere também o Anselmo Borges — para além de outros, como por exemplo, alguns militantes notáveis do CDS/PP que aparecem amiúde na televisão. Esta metástase cultural proveniente do pudor do putedo elitista apodrece o corpo social, e o Anselmo Borges faz parte dela.


“Daquilo que é importante, não há provas: há apenas testemunhos. O Homem persegue o desejo mas só captura a nostalgia”

— Nicolás Gómez Dávila

Quando o Anselmo Borges diz que “Nossa Senhora não apareceu em Fátima e que se tratou de um fenómeno interior subjectivo”, o que ele faz é clamar pelas provas positivas (o Positivismo como uma forma de Romantismo da ciência) e cagar nas testemunhas. Mas “daquilo que é importante, não há provas: há apenas testemunhos”. Esta é mais uma razão por que o Anselmo Borges faz parte do problema moderno que ele próprio denuncia.

4 comentários:

  1. Há alguma coisa do NG Dávila editado em português? é que não consigo ler livros em ecrã, dá-me cabo da vista e da paciência.

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    1. Em Vigo comprei uma edição em castelhano do “Escolios” de Nicolás Gómez Dávila. Também pode comprar na cidade universitária de Salamanca, onde existem duas ou três boas livrarias. Não me consta que exista qualquer edição em português; e mesmo que houvesse seria segundo o Acordo Ortográfico, e eu prefiro ler em espanhol.

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    2. As coisas boas não traduzem "eles". Mas é capaz de ter razão, se é para usar o aborto ortográfico mais vale que estejam quietos.

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  2. Certo, obrigado pela informação. Em espanhol oriento-me bem. Já o meu ilustríssimo professor Anselmo Borges e nossa excelsa referência nos espetava com muita bibliografia em espanhol nas suas aulas de Introdução à Filosofia!

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