quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

O inatismo é uma forma de “a priori”

 

Ao contrário do que está aqui escrito — e com todo o respeito pelo estilo gongórico do filósofo profissional e academista —, o inatismo é uma forma de a priori. A diferença entre os dois conceitos é o de que o inatismo aplica-se exclusivamente ao indivíduo (humano) enquanto tal, ao passo que o a priori aplica-se à espécie humana (é um conceito universal) — mas o fundamento dos dois conceitos é idêntico.

Vamos utilizar uma linguagem tão simples quanto possível, porque o gongorismo não é sinal de inteligência.

Segundo o inatismo (por exemplo, em Descartes) existem no nosso espírito “sementes de verdade nascidas comigo” — sendo que essas “sementes de verdade” diferem de indivíduo para indivíduo (uns têm mais consciência das “sementes de verdade”, e outros menos). E essas “sementes de verdade” são as ideias mais simples e mais evidentes que o espírito pode conceber: as ideias inatas constituem os fundamentos do primeiro saber.

O conceito de inatismo foi recusado pelos estóicos através do conceito de “tábua-rasa”, e teve a sua origem em Platão e no conceito platónico de “Ideia” e de “Reminiscência”. Karl Popper admite, de certa forma, o inatismo (individual) mediante o seu conceito de “Mundo 3” — o mundo das ideias, não só daquelas “criadas” ou “descobertas” pelo homem enquanto indivíduo, como as que o homem desconhece (ainda).

O a priori de Kant é, grosso modo, a teoria segundo a qual o ser humano tem uma espécie de software no seu cérebro que lhe permite interpretar o mundo de uma certa maneira que é comum a todos os indivíduos da espécie humana através da intersubjectividade.

Aqui, o inatismo é extensível a toda a humanidade (é universal), e não apenas caso-a-caso e dependendo de cada indivíduo. Esse “software cerebral” permite, por um lado, ordenar a realidade macroscópica onde o homem se move; e, por outro lado, torna possível a partilha das “sementes de verdade nascidas comigo” com todos os outros homens — não só aquelas “sementes” que (só) me dizem respeito exclusivamente (subjectivas), mas sobretudo aquelas “sementes da verdade” que são objectivas e intersubjectivas.

Noam Chomsky chegou à mesma conclusão — a de que o inatismo é uma forma de a priori: as regras que permitem a aprendizagem de qualquer língua são “regras constitutivas” do espírito humano, são a condição do homem para a aprendizagem de uma gramática qualquer; são simultaneamente uma forma de inatismo (individual) e de a priori (universal).

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