John Rawls foi o precursor da versão igualitarista do liberalismo que influenciou os partidos socialistas ditos “democráticos”; mas também influenciou partidos ditos “liberais” que se dizem de Direita apenas porque defendem a propriedade privada (como é o caso do IL [Iniciativa Liberal]).
Haveria que distinguir entre liberais clássicos, por um lado, e libertários e utilitaristas, por outro lado; mas esta distinção raramente é feita.
Este artigo da professora Helena Serrão (ver ficheiro PDF), que cita John Rawls, aborda as teses deste último em relação aos conceitos de “processo contratual” da abordagem contratualista igualitarista.
Para os ditos “liberais” (mas também para os “libertários” e utilitaristas), não existe uma concepção pré-estabelecida de “vida boa” ou de “melhor sociedade”; não existe — como existe na filosofia política tradicional desde os socráticos — uma optimização de um “fim ideal da existência individual” (nem da existência comum dos seres humanos que implica uma noção de “Bem”).
Para os “liberais”, e libertários utilitaristas, a sociedade é reduzida a uma estrutura de cooperação entre pessoas que podem ter concepções diferentes do que é uma “vida boa” (felicidade) e de tal forma que as posições individuais podem ser absolutamente irreconciliáveis mas todas elas, em princípio, consideradas legítimas.
Tal como os libertários, John Rawls defende a ideia segundo a qual um qualquer princípio de coexistência que seja racionalmente defensável (independentemente de qualquer concepção substantiva) deverá ser considerado “justo”. Esse princípio de coexistência, qualquer que seja desde que seja “racional”, é reduzido a uma espécie de mecanismo que permite organizar as vidinhas das mais abstrusas idiossincrasias individuais.
É dentro desta visão “liberal”, por um lado, e “libertária” e utilitarista, por outro lado, que se situa a “estrutura de cooperação”, em que vemos, por exemplo, a Isabel Moreira (certamente seguidora de John Rawls) a defender o aborto, a eutanásia, a adopção de crianças por pares de invertidos, a Ideologia de Género, e não tarda nada, a legalização da pedofilia: tudo se reduz a um “processo contratual” entre partes, sendo que a idade de decisão e responsabilização das “partes” (em algumas áreas, por exemplo, na autonomia sexual) pode ser reduzida por processo de promulgação do Direito Positivo, por exemplo, para os 10 ou 11 anos de idade, ou até menos.
As opiniões liberais, libertárias e utilitaristas, e ditas “progressistas” (como se o progresso fosse uma lei da natureza), galopam pela História deixando um rastro de civilizações em chamas. Numa sociedade, como a actual, onde prosperam os actos mais aberrantes — o terrorismo, por exemplo —, o liberal e o libertário rendem-lhes homenagem em nome da “liberdade de consciência”.
O libertarismo e o liberalismo são liberticidas, mas em nome da “liberdade”.
Para os liberais e libertários utilitaristas, não existe “bem” se não for “justo”. Para eles, o “bem” é sinónimo de “justo”; as duas noções são coincidentes; não há “bem” independente do “justo”. O problema, aqui, é chegarmos a um acordo sobre o que é o “justo” para, depois, daí deduzir o “bem”. É neste contexto de interrogação sobre o “justo” na estrutura de cooperação entre indivíduos (processo contratual) que John Rawls escreveu o texto publicado pela professora Helena Serrão.
O liberalismo igualitarista actual (Isabel Moreira, PS da ala Esquerda, Bloco de Esquerda) não acabou com os ricos: apenas suprimiu os ricos decentes. Hoje, a sociopatia é um dos requisitos fundamentais do candidato a rico na sociedade dita “liberal”.
Para os “conservadores”, o “justo” e o “bem” são conceitos diferenciados (não se confundem), por um lado, e
o “bem” é considerado um valor superior ao “justo”, por outro lado.
Ademais, (segundo os “conservadores”) os princípios que organizam uma sociedade não podem ser neutros em relação ao conceito de “bem”: ou seja, a sociedade não se pode organizar correctamente se partir do princípio de que o “bem” é o que cada indivíduo quiser que seja, limitado apenas pela lei que pode ser revogada e/ou revista ao sabor das modas. Para os “conservadores”, a vida social deve promover o “bem comum”, e não apenas satisfazer as idiossincrasias mais desviantes e mesmo aberrantes de personalidades das mais abstrusas.
Enquanto os liberais e libertários utilitaristas têm uma visão presentista da sociedade (o desligamento em relação ao passado histórico), os “conservadores” insistem no facto insofismável de que as próprias concepções individuais de “vida boa” (felicidade) não podem ser separadas das raízes individuais num contexto social que tem uma história que condiciona inexoravelmente as soluções que podemos dar aos problemas morais, e por maioria de razão, aos problemas da justiça distributiva.
Se seguirmos as ideias liberais, libertárias e utilitaristas, em toda a linha e até às suas últimas consequências, verificamos que não há nenhuma razão para que a pedofilia não venha a ser legalizada no futuro do Ocidente, dependendo apenas do “progresso da opinião pública” (Karl Popper), uma vez que as leis mais desumanas podem apenas depender da aquiescência, activa ou passiva, dos membros da comunidade (não há, a priori, uma noção comum e pública de “bem” baseada na tradição e na História).
É assim que o “justo”, do liberal e do libertário, coincide com o “bem”: depende apenas da janela de Overton, a cada momento da História, legalizar (mediante o processo contratual e a estrutura de cooperação) o que de mais monstruoso existe no ser humano (tal como aconteceu na Alemanha de 1933).