sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Finalmente um texto de Aleksandr Dugin que posso analisar

 

Podemos lê-lo aqui, em PDF.

1/ “O fascismo advém do Iluminismo”.

Esta premissa de Dugin não está correcta. Por um lado, o último iluminista, que foi Kant, não tinha as mesmas ideias de Hobbes, por exemplo. Pelo contrário, se alguém foi contra qualquer tipo de ideias “fascistas” foi Kant. O que se seguiu a Kant não foi Iluminismo propriamente dito, mas antes sequelas do Iluminismo — por exemplo, Hegel não foi um iluminista, mas um romântico e um idealista (idealismo alemão).

Por outro lado, as raízes do fascismo podem ser encontradas nos teóricos da Razão de Estado do Renascimento (absolutismo do rei) e no puritanismo protestante que evoluiu a partir do século XVI (submissão da religião cristã ao príncipe absolutista). E isto nada tem a ver com o Iluminismo propriamente dito. Em suma, o fascismo evoluiu a partir da Reforma protestante e da gnose  cristã na Europa da Idade Média e da Idade Clássica.

2/ “Ser eurocêntrico na Europa Moderna é ser anti-europeu, porque a modernidade europeia não é europeia”.

duginAleksandr Dugin parte do princípio, segundo percebi, de que a Europa moderna não é europeia porque foi influenciada não só pelos Estados Unidos, mas também pelo mundo das colónias ou ex-colónias europeias (na cultura, na ciência, na filosofia, etc.). E Dugin cria um nexo causal directo entre as influências culturais extra-europeias (a influência das colónias, por exemplo), por um lado, e o fascismo, por outro lado — o que é um erro!

Em primeiro lugar, não houve um só tipo de colonialismo: por exemplo, o colonialismo português foi muito diferente do colonialismo inglês; e a Alemanha praticamente não teve colónias fora da Europa, e o mesmo aconteceu com a Itália. O fascismo surgiu — não só, mas também — devido ao facto de alguns países não terem colónias fora da Europa: a disputa colonial foi uma das razões por que a Alemanha se opôs a Inglaterra.

Em segundo lugar, Dugin parte do princípio de que é possível manter a cultura antropológica estanque, ao mesmo tempo que essa cultura antropológica “impermeabilizada” respeita as outras culturas também elas “impermeabilizadas”. Por isso é que ele diz que “a modernidade europeia não é europeia”. Ora, a “impermeabilização” da cultura antropológica é um contra-senso. O exemplo da expansão portuguesa pelo mundo é a prova de que tal “impermeabilização cultural” não é possível. Aliás, o exemplo do império romano também pode ser aqui chamado à colação.

3/ “O Terceiro Império do Espírito é uma forma superior de nacionalismo”.

Esta ideia é gnóstica (gnose), e por isso é parte do movimento revolucionário, e tem pouco a ver com o tradicionalismo de origem romana e católica. O conceito de “Terceiro Império do Espírito” teve a sua origem em Joaquim de Fiore que, como sabemos, foi um gnóstico cristão do século XIII. Este conceito (Terceiro Império do Espírito) é imanente e escatológico (imanentização do Escathos), o que é uma característica evidente do movimento revolucionário. De resto, este conceito (de Terceiro Império do Espírito) faz parte da cultura eslava e ortodoxa cristã de “salvação pelo sofrimento” de Dostoievski, conceito este que é estranho à cultura católica, e muito mais estranho à cultura luterana.

4/ “O fascismo atacou simultaneamente o liberalismo e o marxismo”.

A visão de Aleksandr Dugin é hegeliana. Note bem, o leitor: é impossível conciliar a dialéctica de Hegel com o tradicionalismo genuíno.

Nicolás Gómez Dávila — este sim, foi um tradicionalista! — refuta Hegel em 112 palavras:

“A negação dialéctica não existe entre realidades, mas apenas entre definições. A síntese em que a relação se resolve não é um estado real, mas apenas verbal. O propósito do discurso move o processo dialéctico, e a sua arbitrariedade assegura o seu êxito.

Sendo possível, com efeito, definir qualquer coisa como contrária a outra coisa qualquer; sendo também possível abstrair um atributo qualquer de uma coisa para a opôr a outros atributos seus, ou a atributos igualmente abstractos de outra coisa; sendo possível, enfim, contrapôr, no tempo, toda a coisa a si mesma — a dialéctica é o mais engenhoso instrumento para extrair da realidade o esquema que tínhamos previamente escondido nela.”

A sequência histórica dita “dialéctica” de Aleksandr Dugin (liberalismo → marxismo → fascismo) é tão dialéctica como foi dialéctica a sequência das escolas gregas depois de Sócrates: platonismo, cinismo, estoicismo e epicurismo. Mas como na Grécia Antiga ainda não existia a dialéctica de Hegel, não passou pela cabeça de ninguém intuir um Eidos da História baseado em diferentes mundividências em relação à realidade.

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