domingo, 20 de setembro de 2015

O ser imutável necessariamente existe por si só

 

Em um verbete anterior, citei Pasquale Galluppi, como segue:

“Um ser mutável não pode existir por si; esta verdade é um resultado do raciocínio que mostra a identidade entre a ideia do ser por si próprio, por um lado, e a ideia do ser imutável, por outro lado.”

Um leitor fez o seguinte comentário:

“ ¿Por que razão o ser imutável necessariamente existe por si só?”


1/ Para falar em “ser mutável” e “ser imutável”, temos em primeiro lugar que constatar que “o mundo é composto de mudança”, como escreveu o poeta :

“Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança:
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades”.

Já outro poeta [Fernando Pessoa], em vez de “mudança” no sentido de “inovação acidental”, preferiu falar em “velhice do eterno novo”.

2/ a mudança (ou mutação) é uma característica do nosso mundo macroscópico condicionado pela força entrópica da gravidade. Neste sentido, a mudança pode ser substancial — por exemplo, a decomposição química — ou acidental, ou seja, a modificação mensurável de um ser cuja essência não se modificou.

3/ Na realidade quântica imanente, não existe “mudança” na dimensão e no sentido que verificamos na realidade macroscópica. Por exemplo, uma partícula elementar como um electrão, não muda na sua essência; aliás, os electrões são sempre todos idênticos entre si. Isto significa que o conceito de “tempo” é diferente na realidade macroscópica ou na realidade quântica. Aqui deparamo-nos com a dificuldade da noção de “tempo”:

“ ¿O que é, afinal, o tempo? Se ninguém me perguntar, eu sei; mas se me perguntarem e eu quiser explicar o que ele é, já não sei”. — Santo Agostinho

Mas a realidade é que o tempo existe, e é a condição da mudança — seja esta substancial ou acidental. Mas ¿será que é possível conceber qualquer coisa que seja relativamente imune ao tempo e, por isso e até certo ponto, imune à mudança?

A física quântica descobriu três conceitos essenciais: a não-localidade, o emparelhamento quântico (quantum entanglement), e o papel da consciência (que não é necessariamente apenas consciência humana) nos fenómenos físicos. Por exemplo, uma partícula elementar pode coexistir proximamente com a dimensão intemporal da realidade1

Portanto, o conceito de “intemporalidade” não é uma criação de uma qualquer imaginação imaginativa. Se o fenómeno quântico da “não-localidade” é um facto, então segue-se que uma partícula elementar pode coexistir muito próxima de uma realidade que é intemporal.

Por isso, concluímos que se pode “existir” no espaço-tempo onde há mudança, e/ou que se pode “existir” muito próximo de fora do espaço-tempo (por exemplo, uma partícula elementar) onde a mudança é de “estado” (mudança de vector de estado), e não um tipo de mudança substancial ou acidental.

Um ser imutável é, então, e por definição, aquele ser que “está” totalmente fora do espaço-tempo.

Depois da morte, ¿a alma, que é detentora de consciência, passa a ser imutável? Não!, porque continua a existir na imanência (próxima) do espaço-tempo: o que muda é o tipo de consciência de “tempo”, mas não o condicionamento existencial do espaço-tempo.

4/ Se concluímos que a “existência” (nem que seja relativa e excepcional, como acontece com uma partícula elementar) fora do espaço-tempo é possível, teremos logicamente que concluir que é (pelo menos) provável um “absoluto não-temporal” — porque não existe qualquer possibilidade de um relativo sem um absoluto. E esse “absoluto não-temporal” só pode ser imutável, por contraposição lógica em relação ao ser mutável que, por definição, está sujeito à condição da mudança imanente do espaço-tempo.

5/ Chegados aqui, já podemos responder à pergunta: “¿por que razão o ser imutável necessariamente existe por si só?”

A resposta é a seguinte: porque se o ser imutável não “existe”2 por si só, a condição da causa primeira seria infinitamente regressiva (Aristóteles). Teríamos, então, não só um número infinito de “absolutos não-temporais” — o que é absurdo —, mas teríamos também um ser imutável que foi causado por outro ser imutável que, por sua vez, foi causado por outro ser imutável, ad infinitum.


Notas
1. não confundir “intemporal”, por um lado, e “eterno”, por outro lado. O conceito de Deus como “Pai Eterno” é um absurdo, porque só pode ser potencialmente “eterno” o que existe na dimensão do espaço-tempo.
2. o “absoluto não-temporal” não “existe”; em vez disso, “é”. A “existência” é uma característica específica do espaço-tempo.

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