quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

A confusão do Rolando Almeida sobre factos e valores

 

“Subjectividade e objectividade respeita às afirmações que fazemos e à sua relação com a verdade. Fazemos afirmações sobre factos e afirmações sobre valores, vulgo juízos de facto e juízos de valor. Especialmente no secundário haveria de corrigir alguns aspectos terminológicos. Isto porque se ensina na primeira unidade o que é uma proposição, mas quando se fala em valores fala-se em juízos. Nada me parece errado aqui. Mas seria preferível referir “proposições sobre factos” e “proposições sobre valores”, já que é disso que se trata e, desse modo, habituávamos os estudantes a uma uniformização lexical que me parece de todo vantajosa, pelo menos neste nível de ensino.”

Rolando Almeida


A oposição entre juízos de facto e juízos de valor é mais aparente do que real.

O uso do juízo de valor enuncia o que “deve ser”, e o que “não deve ser”. Embora não possa existir uma ciência normativa constituída por juízos de valor, mas apenas uma ciência crítica, podemos contudo tomar como base de discussão a afirmação inversa: os juízos de valor são meros juízos de facto que enunciam, embora de forma “sinuosa”, o pensamento (que é efectivamente um facto) "valorizador" daquele que fala.

O pensamento de uma pessoa acerca de um qualquer fenómeno, é um facto, que pode ser verdadeiro ou falso.

Essa verdade ou falsidade do juízo de valor pode ser verificada através de uma ciência crítica que, tal como na ciência normativa dos juízos de facto, depende dos pressupostos (postulados, axiomas) de que parte. Por exemplo, se eu disser que “o João mede 1,76 metros de altura”, essa verdade (a ser verdade) é intersubjectiva (ou seja, objectiva), mas parte do postulado de uma bitola de medição física macroscópica que tem como pressuposto (axioma) a velocidade de rotação e de translação da Terra, por exemplo. Outro exemplo: se colocarmos dois relógios acertados um com o outro — um deles na estratosfera, e outro dentro da crusta terrestre, ao fim de algum tempo os dois relógios deixam de estar acertados um com o outro.

Ou seja, a verdade de um juízo de facto depende da verdade de outro juízo de facto que lhe está subjacente e, assim ad infinitum.

Tal como acontece com os juízos de facto, os juízos de valor dependem de postulados e/ou axiomas.

Ou seja, à luz da ciência mais actual, o juízo de valor é tão relativo quanto é o juízo de facto. Não é possível, em bom rigor, afirmar que o juízo de valor é mais passível de ser verdadeiro ou falso do que um juízo de valor.

Se considerarmos que o juízo de valor é relativo, teremos também a aceitar que o juízo de facto também é relativo — o que seria a negação da ciência enquanto tal.

A ideia segundo a qual “a verdade das proposições sobre valores depende directamente das crenças” é tão válida quanto a ideia segundo a qual “as proposições sobre factos depende directamente das crenças” — porque a ciência (empírica ou teórica) também é baseada em crenças, embora crenças de grau superior.

O que interessa, tanto no juízo de facto quanto no juízo de valor, é a fundamentação racional do juízo que justifica a crença, e não apenas a crença entendida em si mesma.

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