sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

A metafísica de Confúcio

 

O Padre Gonçalo Portocarrero de Almada publicou um artigo, alegadamente da autoria de um tal José Miguel Pinto dos Santos (ver ficheiro PDF), em relação ao qual terei que corrigir determinados passos. Escreve o tal amigo do Padre:

“Mas e o Confucionismo? O Confucionismo também tem templos, sacerdócio, rituais, escrituras, código moral, santos e um sistema metafísico. Lá por esse sistema metafísico ser agnóstico no que se refere à existência de divindades e espíritos não retira ao Confucionismo o seu estatuto milenar de religião”.


É um erro comum dos “intelectuais” do Ocidente julgar o Confucionismo como um sistema metafísico agnóstico. Esse agnosticismo era apenas e só aparente, e só quem não tem uma noção mínima do que são as religiões ditas universais, poderá afirmar uma coisa dessas.

Confúcio não só não criticou as práticas e convicções da religião próprias do mundo em que ele vivia (em que participava no culto dos antepassados, que não constitui apenas uma expressão de piedade, mas também inclui a convicção do prolongamento da vida depois da morte), como encontra-se plenamente na linha da religião imperial chinesa: Confúcio pressupõe a existência do mundo celeste, da qual parece ter uma certeza quase mística.

Quando estava doente, Confúcio rezava aos deuses (Anacletos de Confúcio, livro VI, 34). Portanto, é falso que “o sistema metafísico do Confucionismo fosse agnóstico em relação aos deuses”:

“Não murmuro contra Deus e não me encolerizo com os seres humanos. Investigo aqui em baixo, mas aponto para o alto. É Deus quem me conhece.”Anacletos de Confúcio, livro XIV, 37

Portanto, embora o Confucionismo possa parecer frequentemente — aos olhos dos nosso critérios ocidentais ou cristãos — apenas uma filosofia política (tal qual se julga também em relação ao Budismo), na realidade trata-se de uma concepção de religião universal — embora, para o Mestre Kung (Confúcio), a religião possui, por assim dizer, um lugar completamente diferente na vida espiritual do indivíduo e da Totalidade, daquele que ocupa no Cristianismo; porém trata-se de uma variante da religião que nos é estranha, na qual o monismo é fundamental.


A religião é um conjunto de crenças e de ritos que compreendem um aspecto subjectivo (o sentimento religioso ou a ) e um aspecto objectivo (as cerimónias, as instituições, os templos, etc..).


As “cinco relações” do Confucionismo, a que se refere o amigo do Padre, fazem parte de uma concepção ética secular que também existe nas outras religiões universais — desde logo a “regra de ouro” (por exemplo, no Sermão da Montanha). O sistema de regras éticas de Confúcio (JEN), que se subdivide em quatro virtudes (HSIAO, TEN, LI, YI), é sobretudo importante para a convivência dos seres humanos e para o funcionamento da sociedade — e também existe em todas as outras religiões universais.

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