sábado, 27 de outubro de 2018

Thomas Nagel e a Teoria do Aspecto Dual

 

A professora Helena Serrão publica aqui uma citação do autor ateu americano Thomas Nagel, na qual este nos dá a ideia de ter uma “terceira via” para a dicotomia (falsa) entre o dualismo metafísico (não confundir com o dualismo ontológico), por um lado, e o chamado “fisicalismo” por outro lado.

A essa terceira via, Nagel chama de “Teoria do Aspecto Dual”. Mas esta teoria não é outra coisa senão uma forma de epifenomenalismo.


Thomas Nagel é um pensador americano que se diz simultaneamente ateu e contra o materialismo. E o problema é que ele não vê nenhuma contradição naquilo que ele diz que é.

Em 1974, ele escreveu um ensaio com o título “Como É Ser Um Morcego?”, em que Nagel pretende imaginar como seria ser um morcego, na perspectiva de um ser humano. Sabemos que os morcegos percepcionam o mundo, por exemplo, através de uma espécie de radar, em que os impulsos de ultra-sons são enviados a partir do cérebro do morcego e os respectivos ecos permitem-lhe distinguir os objectos do meio-ambiente.

Thomas Nagel chegou a uma conclusão: podemos imaginar como é a tentativa de ser um morcego, mas mais nada do que isto. Podemos conceber e imaginar a nossa experiência se nos comportássemos como morcegos, mas nunca saberíamos o que é ser de facto um morcego. Ou seja, somos obrigados pela Razão a reconhecer a existência de factos onde nunca poderemos racionalmente penetrar. Há coisas que nos são inacessíveis porque temos que observá-las a partir de fora, do exterior dessas coisas em relação às quais podemos conhecer a verdade relativa, mas não a sua verdade absoluta.

A Razão diz-nos que a própria Razão tem limites. O mesmo critério aplica-se à ciência: a Razão diz-nos que a ciência tem limites.


Voltando à “terceira via” de Thomas Nagel.

Ele pretende fazer a distinção entre um alegado “processo físico” (alegadamente mensurável ou observável pela ciência), por um lado e, por outro lado, a subjectividade da eventual acção do processo físico, a que ele chama de “aspecto mental do processo cerebral”.

Ora esta teoria nada mais é do que uma forma de epifenomenalismo, ou a ideia segundo a qual alguns ou todos os estados mentais são meros epifenómenos (efeitos secundários ou sub-produtos) do estado físico do mundo — o epifenomenalismo nega que a mente tenha qualquer influência no corpo ou em qualquer outra parte do mundo físico: enquanto que os estados mentais são causados por estados físicos, os estados mentais não têm influência nos estados físicos.

Para o epifenomenalismo, as ideias são apenas um produto da actividade neuronal. Aquilo que é primário [aquilo que está em primeiro lugar] são os processos químicos e físicos nos neurónios, que decidem o que eu penso, o que faço e o que sou.


Karl Popper demoliu o epifenomenalismo quando demonstrou que esta teoria não pode ter qualquer sentido se obedecer aos seus próprios pressupostos: se as minhas ideias não podem existir sem suporte físico, ou seja, se as minhas ideias são produtos e portanto, efeitos, da química que se processa no meu cérebro, então nem sequer é possível discutir o epifenomenalismo: esta teoria não pode ter qualquer pretensão de verdade, visto que, por exemplo, as provas dela decorrentes são igualmente química pura. Se alguém defende uma teoria contrária ao epifenomenalismo, também tem razão, dado que a sua química chegou a um resultado diferente.

Karl Popper chama a esta armadilha lógica de “pesadelo do determinismo físico”.


A física quântica veio alterar este paradigma científico, colocando em causa a concepção do universo como sistema fechado.

A “amplitude de probabilidade de função de onda” (ou "função de onda quântica", ou ainda, na terminologia mais recente, "vector de estado"), por exemplo, de uma partícula atómica, não constitui um campo material (ou não tem massa ou tem uma massa mínima), mas actua sobre a matéria ao causar a probabilidade de um processo de partículas elementares. Estamos a falar de um facto científico baseado na experimentação, e não apenas de uma teoria. Este facto científico abriu as possibilidades de estados finais diferentes resultantes de processos dinâmicos idênticos, e sem que tivessem sido alteradas as condições iniciais (como, por exemplo, o abastecimento de energia).

Ou seja, segundo a ciência mais recente, o universo como sistema fechado e a primeira lei da termodinâmica estão colocados em causa. A primeira lei da termodinâmica pode ainda ser utilizada em ciência da mesma forma que o conceito de “absoluto” foi utilizado por Newton para elaborar a sua Dinâmica (o conceito de “absoluto”, em Newton, era uma espécie de muleta).

Resulta disto que a alma ou/e espírito não é um produto da evolução (evolução entendida no sentido naturalista e darwinista), e que o dualismo metafísico passa a fazer sentido mesmo à luz da ciência. Hoje já não faz sentido que um cientista seja necessariamente ateu, ou que defenda uma mundividência naturalista do ser humano.

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