“Convém de facto notar que uma acção é, por princípio, intencional. O fumador desastrado, que fez explodir inadvertidamente um paiol, não agiu.
Em contrapartida, o encarregado de dinamitar uma pedreira e que obedeceu às ordens dadas agiu quando provocou a explosão prevista: sabia na realidade o que fazia ou, se preferirmos, realizava intencionalmente um projecto consciente.”
Segundo Sartre, um indivíduo que fumava um cachimbo junto a uma bomba de gasolina e que causou uma explosão — “não agiu”.
Há aqui uma linha de raciocínio que vem, pelo menos, da “moral da intenção” de Pedro Abelardo, complementada por Kant: apenas a intenção é susceptível de qualificação moral, qualquer que seja o acto exterior.
O acto exterior, segundo Abelardo, sendo sempre moralmente indiferente enquanto tal, é bom ou mau apenas em função da intenção que o anima [pro intentionis agentis]. E por isso, conclui Abelardo, nem a própria crucificação de Jesus Cristo pode ser, a priori, considerada má, “não sendo importante a este respeito o que se faz, mas o espírito no qual se faz” [Dialogus].
O ateu e marxista (passo a redundância) Jean-Paul Sartre segue aqui uma certa tradição ética de uma determinada vertente do catolicismo (em relação à qual S. Tomás de Aquino não concordou e até combateu).
Agir não se reduz ao ganho de uma vantagem (utilitarismo), mas também não pode ser reduzido ao conceito kantiano de “intenção”: a acção explica-se através de uma disposição natural para julgar e disciplinar as nossas representações relativas à acção (Shaftesbury).
O indivíduo que fumava um cachimbo junto a uma bomba de gasolina e que causou uma explosão, — agiu. Ele pode alegar que “não sabia que podia causar uma explosão” e que “não foi intencional”; e haverá certamente gente que acredite nele. Mas diz o povo que “de boas intenções, está o inferno cheio”.