terça-feira, 16 de abril de 2024

A visão positivista e compartimentada do ser humano


De quando em vez, a professora Helena Serrão transcreve bacoradas, quando, por exemplo, se pretende separar a norma ética e a norma jurídica, por um lado, e a norma de origem religiosa, por outro lado.

Ser-se “normativo” é, por definição, privilegiar valores, ou mesmo procurar impôr valores; e só uma comunidade de valores (qualquer tipo de religião) pode fundar a adesão a um juízo normativo.

Naturalmente que depende do que entendamos por “religião”. Por exemplo, o marxismo e/ou o cientismo são “religiões políticas” (Eric Voegelin).


“Quando Deus é mantido invisível, para além do mundo, os conteúdos do mundo tornam-se nos novos deuses; quando os símbolos da religiosidade transcendente são banidos, novos símbolos desenvolvem-se a partir da linguagem intra-mundana da ciência para lhes tomar o lugar”.

→ Eric Voegelin, Modernity without Restraint (CW5): Political Religions; The New Science of Politics; and Science, Politics and Gnosticism


«De um certo ponto de vista, quase poderia dizer-se que, entre aqueles modernos que se proclamam a-religiosos, a religião e a mitologia estão “ocultas” nas trevas do seu inconsciente — o que quer dizer também que as possibilidades de reintegrar uma experiência religiosa jazem, em tais seres, muito profundamente neles próprios.

Ou, numa perspectiva cristã, poderia dizer-se igualmente que a não-religião equivale a uma nova “queda” do homem: o homem a-religioso teria perdido a capacidade de viver conscientemente a religião e, portanto, de a compreender e assumir; mas, no mais profundo do seu ser, ele guarda ainda a recordação dela, tal como, depois da primeira “queda”, e bem que espiritualmente cego, o seu antepassado, o Homem primordial, tinha conservado suficiente inteligência para lhe permitir reencontrar os traços de Deus visíveis no mundo.

Depois da primeira “queda”, a religiosidade caiu ao nível da consciência dilacerada; depois da segunda, caiu ainda mais profundamente, no mais fundo do inconsciente: foi “esquecida”. »

→ Mircea Eliade, “O Sagrado e O Profano — A Essência das Religiões”, Lisboa, 2006, página 219.


A separação (como acontece no referido texto) da Natureza Humana em estruturas independentes entre si tem origem positivista. Só um burro não vê isso.

A partir do momento em que a doutrina positivista se encontra na base de uma discussão ideológica ― seja esta qual for ― é impossível raciocinar de outro modo senão obedecendo aos paradigmas do dogma (positivista), assim como a um programa de computador é impossível fazer outra coisa senão o que foi definido pela base do código do simbolismo da programação do software. O dogma positivista é o software da nossa cultura (contemporânea).

Sobre este assunto, recomendo a leitura de dois livros de Mircea Eliade: “O Sagrado e O Profano — A Essência das Religiões”, Lisboa, 2006; e “Aspectos do Mito”, Lisboa, 1986.

Se possível ler, recomendo o livro em língua inglesa “The New Science of Politics (An Introduction)”, de Eric Voegelin.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Neste blogue não são permitidos comentários anónimos.