sábado, 14 de junho de 2014

A contradição da política da modernidade

 

Platão entendia a política como um saber teórico, através do qual seria possível a construção de uma política ideal; de um Estado conforme um ideal de justiça e de razão 1.

Para Maquiavel, essa noção platónica de política era uma utopia. Para ele, a política era uma arte prática e um conjunto de técnicas ou de manobras para a tomada e preservação do Poder.

Surge, desta diferença ideológica entre Platão e Maquiavel, o problema das relações entre moral e a política — porque, em ambos, o conceito cristão de Deus estava ausente da política.

Para Platão, a política poderia conseguir fins racionais e bons entendidos em si mesmos — justiça social, segurança individual, etc..

Para Maquiavel, pelo contrário, o Poder é arbitrário, a política é uma questão puramente técnica e não convém abordá-la “no que respeita à justiça e à moralidade” 2. A ideia de Maquiavel, segundo a qual a política é arbitrária, significa que a política não pode ser fundada em Direito. Por isso, todos os poderes políticos se fazem valer de uma qualquer legitimidade construída por quem conquista o Poder; e é à análise deste fundamento “legítimo” de quem se alcandorou ao Poder de qualquer forma, que se liga o direito político.

A modernidade, que concebe a autoridade política sem Deus, tem tentado conciliar Platão e Maquiavel de um forma sistemática e trágica — tentando conciliar os opostos sem que admita o Poder moderador da autoridade da transcendência de Deus em relação à sociedade política.

Porém, pelo menos na Europa actual, o problema da contradição política entre Platão e Maquiavel agudizou-se sobremaneira. Como podemos observar, por exemplo em França e em Portugal, a política começa por ser platónica (a construção de ideais e de utopias) para, depois, ter uma aplicação prática maquiavélica. O maquiavelismo político é colocado ao serviço de uma prévia construção platónica e utópica da realidade.

A ausência de Deus na sociedade e na política levou a modernidade ocidental a um beco sem saída.

Sem uma autoridade que transcenda e legitime a autoridade das elites, é a própria autoridade das elites que é colocada em causa, e com ela a legitimidade do Poder político. Resta à classe política ocidental utilizar Platão para a construção utópica dos programas políticos, e depois servir-se de Maquiavel para os aplicar de uma forma arbitrária, discricionária, e muitas vezes deitando mão a actos gratuitos.

Notas
1. “República”, de Platão
2. “O Príncipe”, capítulo VIII, de Maquiavel

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