sábado, 23 de agosto de 2014

A negação ateísta de Deus mediante a existência do Mal

 

O argumento clássico do ateísmo — talvez o único argumento racional ateísta — contra o Ser de Deus — e não contra a “existência” de Deus, porque Deus não existe da mesma forma que um objecto na nossa realidade de sujeito/objecto — é a chamada de atenção para a existência de sofrimento, mal e dores absurdas. É o caso deste texto de Michael Tooley (dica daqui e daqui).

“Se existisse um Deus bom e omnipotente” — dizem os ateístas — “teria necessariamente que intervir contra os males. Porém, dado que existem os males, resulta daí” — continua o argumento — “que ou Deus não quer ajudar, e neste caso não é bom, ou não pode ajudar, e neste caso não é omnipotente”. Esta é a questão da Teodiceia que foi abordada, nomeadamente, por Leibniz.

Este argumento ateísta é completamente incongruente, porque quem afirma que a existência dos males no mundo é a prova da inexistência de Deus, parte do princípio de que tem o direito natural de viver em um mundo absolutamente positivo: como escrevi em um verbete anterior, o ateísta vê o problema da seguinte maneira: o bem entende-se por si mesmo; só o mal constitui problema.

Mas o ateísta que vê assim o problema pressupõe que o Ser é indiscutível, evidente e, em princípio, positivo. Ou seja: quem argumenta contra a ideia de Deus, invocando os males do mundo, só pode fazê-lo se já aceitou previamente o conteúdo da concepção de Deus. Por outro lado, também seria pertinente que os ateístas perguntassem ¿por que existe o Bem?, se o mundo e o Ser não passam de produtos de um Nada absurdo. ¿Por que existe o Bem? Por que são possíveis a felicidade e a satisfação?, se seria mais previsível — segundo a ideia ateísta — esperar um mundo completamente caótico que não teria de criar ordem e leis da natureza.

Há que distinguir entre “mal moral”, por um lado, e “mal físico”, por outro lado. Os males morais são os que decorrem de acções imorais, por exemplo, assassinatos, desprezo pela dignidade humana. Os males físicos decorrem de processos naturais pelos quais o ser humano não é responsável, por exemplo, catástrofes naturais, doenças.

Os males morais resultam do livre-arbítrio concedido por Deus ao ser humano. Sem a liberdade de escolha, não existe qualquer “Eu” nem qualquer autoconsciência. Deus não quis robôs, mas sim seres humanos responsáveis. Se não é possível nenhum acto mau, também não é possível um acto bom. As possibilidades do bem e do mal são constitutivas para o ser humano.

Se não existisse uma regularidade das leis da natureza, o ser humano não poderia ter livre-arbítrio: a constância do mundo e das leis da natureza são o fundamento da liberdade moral. Se Deus criou o ser humano com livre-arbítrio e responsabilidade, então também Ele tem que querer que o mundo e as leis da natureza sejam constantes e minimamente previsíveis. Em um mundo caótico não existe qualquer responsabilidade. Em suma: a regularidade das leis da natureza faz parte dos pressupostos da acção moral.

¿Por que razão Deus não planeou o mundo sem catástrofes naturais? As catástrofes naturais são consequências das leis da natureza e têm como fundamento a regularidade das leis da natureza.

Os males físicos permitem a concretização de valores humanos, por exemplo, a compaixão e a solicitude: o preço a pagar por um mundo sem qualquer mal físico seria um mundo no qual não seriam possíveis nem responsabilidade, nem livre-arbítrio, nem qualquer concretização de valores humanos.

Uma outra questão é a de saber se Deus pode ajudar; mas essa dava um outro verbete.

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