quinta-feira, 1 de maio de 2014

As elites modernas inverteram os mitos das sociedades primitivas

 

A genialidade satânica do marxismo consiste no facto de se ter aproveitado dos mitos religiosos intemporais, e distorcendo-lhes o sentido, criou em seu lugar um mito exclusivamente imanente, materialista e terrestre.

Por exemplo, a “purificação do universo pela matança” é uma ideia mitológica que sempre existiu em muitas sociedades pré-cristãs, através de vários tipos de religiosidade, incluindo a religião dos Mistérios que marca e sempre marcou a maçonaria — seja uma maçonaria “cristianizada” (por exemplo, a maçonaria escocesa dos séculos XIII e XIX) ou pagã (a maçonaria napoleónica e iluminista, ou a actual maçonaria europeia, em geral).

O mito trágico da “purificação do universo pela matança” é velho como a humanidade: por exemplo, a celebração religiosa e mítica da gesta de Marduk e de Tiamat.

Este mito (o da “purificação do universo pela matança”) foi sendo distorcido pelo movimento revolucionário ao longo de séculos, até que Engels e Marx lhe deram a forma actualizada, retirando-lhe o aspecto cosmogónico que detinha na Antiguidade, e tornando-o em uma componente de uma religião política materialista e destituída de qualquer componente cosmológica. Esta redução do mito cosmogónico original a uma realidade chã e exclusivamente terrena, por um lado, e, por outro lado, o lucubro de uma realidade em que o ser humano é o centro e o símbolo absoluto da acção humana (e já não a cosmogonia em si mesma, que era o centro da atenção religiosa primitiva); este antropocentrismo prometaico que o marxismo condensou, distorcendo os fundamentos de mitos ancestrais — está na base do mito marxista da “purificação do mundo pela matança dos ricos”, de que fala aqui o Olavo de Carvalho.

O mito iluminista (Rousseau: “o bom selvagem”), e marxista do “retorno da humanidade a uma Era de pureza originária”, são também uma deturpação do mito antigo da celebração cíclica da cosmogonia através da invocação dos modelos exemplares dos Antepassados Míticos, no neolítico. É neste sentido que se pode dizer que a cultura da elite ocidental tende para uma emulação distorcida do neolítico, embora deturpando-lhe e distorcendo-lhe os símbolos.

Não se trata, na actualidade, de uma cópia do mito de Adão e Eva e do Paraíso, tal qual era entendido pelo Judaísmo e pelo Cristianismo; não se trata, hoje, da celebração dos modelos exemplares dos Antepassados Míticos das sociedades mais primitivas — porque ambos os mitos (o de Adão e Eva, e o dos modelos exemplares dos Antepassados Míticos das “sociedades arcaicas”) reconheciam e aceitavam a “queda ontológica” do ser humano, sendo que a evocação do mito servia apenas para que o homem se sentisse “mais perto” dos deuses, ou de Deus (no caso do monoteísmo).

Do que se trata, no mito actual, é de uma inversão do mito originário, em que o objecto mitológico deixou de ser a cosmogonia (a criação do universo), e passou a ser exclusivamente o ser humano dissociado do Cosmos e de qualquer ontologia originária — mantendo-se, contudo, o conceito original de “purificação do universo pela matança”, embora agora destituído de qualquer significado e simbolismo cosmogónico.

É nisto que consiste a perversidade satânica indizível do Iluminismo em geral, e do marxismo em particular: a ruptura radical em relação ao conceito ontológico de “ser humano inserido no Cosmos” (com tudo o que isso implica).

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