terça-feira, 17 de junho de 2014

A Esquerda começou por ser de Rousseau, passou por Hegel, e agora é de Nietzsche

 

Parece que a Vice-Presidente da Associação Portuguesa de Fertilidade, uma tal Filomena Gonçalves, comparou um nascituro a um rim. Ou seja, para aquela senhora, um rim tem um estatuto semelhante — para não dizer idêntico — ao de uma criança nascedoura. A questão é a de saber como é possível que uma pessoa que alegadamente ocupa um lugar de Vice-Presidente da Associação Portuguesa de Fertilidade pode fazer este tipo de comparação.

¿Como é possível comparar ou fazer sequer uma analogia, por exemplo, entre o intestino grosso de uma mulher e um nascituro? Como é possível que a Vice-Presidente da Associação Portuguesa de Fertilidade não saiba, por exemplo, que o feto tem um ADN diferente do da mãe?!

A resposta a estas perguntas não tem apenas a ver com pura ignorância. Chamar-lhe ignorante é simplificar. Podemos encontrar a resposta a estas perguntas no actual conceito de “cultura antropológica”, adoptado sobretudo pela Esquerda.

Actualmente considera-se que não existe uma “natureza humana”; em vez disso, prevalece uma crença segundo a qual existem apenas fenómenos de aculturação que consistem em um conjunto de processos de adaptação fundamental e quase definitiva do recém-nascido. Ou seja, segundo esta crença, o ser humano pode ser aquilo que se quiser que seja e independentemente da Natureza. É neste contexto de separação do Homem, por um lado, da Natureza, por outro lado, que surge um fenómeno de desvalorização do ser humano — quando se compara, no exemplo supracitado, um rim a um feto.

A Esquerda (o socialismo francês do século XIX, positivista e jacobino) começou por adoptar Rousseau, que separou “civilização” e “progresso”, por um lado, (para Rousseau, a civilização não significava a existência de progresso: pelo contrário, para ele a civilização era sinónimo de barbárie, o que é, evidentemente um exemplo de inversão revolucionária de conceitos); e por outro lado, Rousseau operou uma ruptura radical entre “cultura” e “Natureza”.

Depois, uma outra Esquerda, marxista, adoptou Hegel, que defendeu que uma tal ruptura entre cultura e natureza não existe: em vez disso, o que existe é a “cultura” entendida como um processo histórico no decurso do qual o Homem aprende a dominar a Realidade. Ou seja, segundo Hegel e a Esquerda Hegeliana e o marxismo, a cultura é a realização da natureza humana, e não o abandono desta.

Vemos aqui a oposição entre dois tipos de Esquerda.

No princípio do século XX, Claude Lévi-Strauss e o Estruturalismo reintroduziam na cultura intelectual a concepção de “cultura” da Esquerda positivista e jacobina — em oposição à concepção de “cultura” da esquerda hegeliana ou marxista. Este dois tipos de concepção de “cultura” marcaram a esquerda do século XX e até hoje.

Quem separa radicalmente o ser humano, por um lado, da Natureza, por outro lado, é um jacobino, herdeiro ideológico de Rousseau (e não propriamente de Hegel ou de Karl Marx). Em Engels podemos encontrar alguns laivos de jacobinismo, mas Karl Marx concentrou-se essencialmente no trabalho e na economia. Pelo menos em teoria, Karl Marx não desvalorizou o ser humano e não o desligou da Natureza, aliás na linha de Hegel.

Hoje prevalece na Europa um tipo de Esquerda jacobina herdeira de Rousseau — por exemplo, em França — que impõe as suas ideias à sociedade nomeadamente através da maçonaria que controla as instituições do Poder. Este tipo de Esquerda separa o ser humano, por um lado, da Natureza, por outro lado, e propala a crença segundo a qual não existe uma natureza humana, e que é possível transformar o ser humano naquilo que as elites políticas quiserem, através de engenharias sociais.

É esta desvalorização radical e jacobina do ser humano, que o separa da Natureza através de um conceito arbitrário de “cultura”, que está na origem de uma abstracção do conceito de “ser humano”, e a ponto de se comparar um rim com uma criança nascitura.

Não é ignorância: é ideologia!

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