segunda-feira, 23 de junho de 2014

O bi-partidarismo da monarquia constitucional e a entrada do Portugal republicano na I Guerra Mundial

 

Este verbete no Corta-fitas “embrulha” uma série de ideias.

1/ A ideia de Pulido Valente segundo a qual “a monarquia caiu por duas razões. Primeiro, porque os partidos "rotativos", o Regenerador e o Progressista, que não podiam sobreviver numa sociedade urbana (no fundo, Lisboa, e um pouco o Porto), se começaram a dividir no reinado de D. Carlos”, não está correcta, conquanto que a segunda razão esteja.

O bi-partidarismo, entendido em si mesmo, é um sistema tão bom ou melhor do que o multi-partidarismo (ver a opinião de Karl Popper acerca do bi-partidarismo). O problema da monarquia constitucional do século XIX esteve no tipo de cultura política, e não no sistema político entendido em si mesmo.

“A tirania do Senhor Dom Carlos procede de feras mais obesas: do porco. Que o porco esmague o lodo é natural. O que é inaudito é que o ventre de um porco esmague uma nação e dez arrobas de cebo achatem 4 milhões de almas”. — Guerra Junqueiro, publicado no jornal “Voz Pública”, de Lisboa.

O texto supracitado revela a cultura política dos intelectuais portugueses daquela época. “Liberdade” era sinónimo de “possibilidade de insulto público e publicado sem reservas e sem lei”. Aliás, a esmagadora maioria dos intelectuais portugueses ou era republicana, ou pertencia à maçonaria, ou as duas coisas. E quando não eram republicanos ou/e maçónicos, os poucos intelectuais portugueses faziam o jogo político do inimigo.

Por exemplo, em 1876, o partido Reformista, liderado pelo Bispo de Viseu, e o partido Histórico, liderado pelo duque de Palmela, celebraram o Pacto da Granja, através do qual os dois partidos se fundiam e fundavam um novo partido: o partido Progressista (um dos dois partidos do futuro rotativismo). Repare-se que os dois partidos eram liderados por um membro do alto clero português e por um alto membro da nobreza!

Nos dias seguintes ao nascimento do partido Progressista, o governo “caiu”, e o novo Partido Progressista tentou influenciar o Rei D. Luís no sentido de que preferisse a sua política à de Fontes Pereira de Melo; porém, o Rei optou novamente pelo Fontes. Seguiu-se que o partido Progressista, liderado por um Bispo e por um duque, entrou por uma série de impropérios publicados contra o Rei que fariam corar um carroceiro! Portanto, este é um dos muitos exemplos de como os monárquicos foram igualmente responsáveis pela queda monarquia.

Por outro lado, embora os dois partidos do rotativismo tivessem uma implantação nacional, a política real e efectiva era feita em Lisboa — e por isso é que a ideia segundo a qual os partidos "rotativos", o Regenerador e o Progressista, que não podiam sobreviver numa sociedade urbana, é simplista.

2/ Estou de acordo com a segunda ideia de Pulido Valente: a corrupção do sistema político — a começar pela Casa Real na famigerada querela dos “adiantamentos”. Os monárquicos actuais (como eu) têm que reconhecer os erros próprios cometidos no passado. “A verdade liberta”.

3/ A ameaça da Alemanha (e outros países continentais) em relação aos territórios ultramarinos portugueses foi real, e foi a principal razão por que Portugal entrou na I Guerra Mundial.

“A Alemanha apossa-se de Quionga e o conde alemão de Azfeld entra em combinações com o ministro inglês Balfour sobre a partilha do nosso património (colonial português). Como os Estados Unidos também quisessem parte do espólio, sobretudo desejando o arquipélago açoriano de tão grande importância estratégica, a operação foi adiada para melhor oportunidade, não sem a intervenção do Marquês de Soveral, nosso ministro em Londres, imensamente facilitada por aquela pretensão da grande república. As ameaças não cessavam, todavia.

Alguns anos depois, quando, em 1904, decorria a guerra russo-japonesa, parece que um acordo secreto entre a Itália, França, Alemanha e Rússia, que procuravam evitar a intervenção da Inglaterra a favor do Japão, fazia de Portugal e da Bélgica os bodes expiatórios. A Alemanha ficaria com as nossas colónias, enquanto a Espanha nos limitaria na metrópole a soberania”.

→ “História de Portugal”, José Hermano Saraiva, 2004, volume VII.

É claro que a entrada do Portugal republicano — e independentemente das querelas com os monárquicos — na I Guerra Mundial teve como principal razão a manutenção das colónias.

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