domingo, 3 de agosto de 2014

Cepticismo de David Hume e a contraposição de Kant

 

(no seguimento do verbete anterior)

O princípio do empirismo

David Hume nega o conceito de “ideias inatas de pensamento” — aliás, na linha dos estóicos: foram os estóicos que influenciaram a posição da Igreja Católica segundo a qual “a alma é criada no acto da concepção da vida” (embrião). Hoje sabemos que este conceito é, no mínimo, duvidoso; mas não vamos discuti-lo agora.

David Hume retomou a ideia de Aristóteles segundo a qual não há nada no intelecto que não tenha estado primeiro nos sentidos. Parafraseando Hume:

“Todas as nossas ideias não são mais do que cópias das nossas impressões ou, por outras palavras, é-nos impossível pensar uma coisa que não tenhamos anteriormente sentido, ou pelos sentidos externos ou pelos externos” (“Enquiry Concerning Human Understanding”, 63).

Ou seja, David Hume adoptou a teoria do balde que se traduz, hoje, na teoria da identidade de uma certa neurologia. Foi contra a teoria do balde de David Hume que Kant se insurgiu.

Resposta de Kant a Hume

Kant argumentou, em resposta a Hume, que embora todo o conhecimento empírico “surja das” impressões sensoriais, isso não significa que todo esse conhecimento seja “dado em” impressões sensoriais. Kant distinguiu entre a forma da experiência cognitiva, por um lado, e a substância da experiência cognitiva, por outro lado; e defendeu que as impressões dos sentidos fornecem a matéria bruta do conhecimento empírico — mas que o sujeito pensante é responsável pela organização estrutural e relacional desta matéria bruta.

Kant estabeleceu três fases de organização cognitiva da experiência.

1/ as sensações não-estruturadas são organizadas relativamente ao Espaço e ao Tempo (as “Formas de Sensibilidade”).

2/ as “percepções” ordenadas desta forma são relacionadas através de conceitos — por exemplo, Unidade, Substancialidade, Causalidade, etc.

3/ os “juízos da experiência” assim constituídos, são organizados em um único sistema de conhecimento através da aplicação dos “Principais Reguladores da Razão” segundo o princípio da intencionalidade.

O X de Kant, contra a teoria do balde de David Hume

Immanuel Kant chamou à atenção para o facto de nós termos sempre de acrescentar um suplemento a todos os nossos pensamentos, independentemente daquilo que estamos a pensar: a frase “eu penso” (O X de Kant)

Sem a consciência de que “sou eu que penso”, não existe qualquer pensamento que mereça esse nome. Sem a autoconsciência de que a consciência se pensa a si mesma, não é possível qualquer conteúdo dessa consciência.

Um computador pode percorrer o seu programa sem este “eu penso”, mas não pode, por isso, pensar como um ser humano. No “eu penso” do sujeito humano, todos os conteúdos da consciência estão ligados; o eu penso do humano é a condição lógica de qualquer pensamento — constitui o último ponto de referência lógico e o ponto de unidade de todo o conhecimento. Na linguagem de Kant: o “eu penso” é a condição da possibilidade do pensamento.

Este “eu penso”, segundo Kant, é o “X” da condição humana. Não é possível reconhecer este X porque qualquer acto de pensamento já o pressupõe: o X é anterior ao próprio pensamento. — e por isso é que nenhum computador tem ou alguma vez terá este X.

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