O meu colega do Lavras Resiste escreveu o seguinte:
“[Segundo David Hume] as nossas ideias, nossas teorias, até mesmo a matemática, nada mais são do que retrabalhamento mental de impressões deixadas pelos objectos do mundo em nossos sentidos.”
O meu “problema” com o trecho é o “até mesmo a matemática”.
David Hume desenvolveu e tornou coerente a abordagem céptica de Locke (não foi Hume que “iniciou o cepticismo”) sobre a possibilidade do conhecimento necessário da natureza. O meu “problema” com David Hume está no campo da ética: David Hume era “viado”, e talvez por isso pensava de forma moralmente invertida, porque no campo da teoria do conhecimento até concordo, em princípio, com algumas ideias dele.
A negação de David Hume da possibilidade de um conhecimento necessário da natureza baseou-se em três premissas: 1/ Todo o conhecimento pode subdividir-se nas seguintes categorias mutuamente exclusivas: “relações de ideias” e “questões de factos”. 2/ Todo o conhecimento de “questões de facto” é dado e surge de impressões sensoriais; 3/ O conhecimento necessário da natureza tem por pressuposto o conhecimento da ligação necessária de eventos.
Hume defendeu que as afirmações sobre as “relações de ideias” e afirmações sobre “questões de facto” diferem em dois aspectos:
1/ tipo de reivindicação da verdade que pode surgir dos dois tipos de afirmação: certas afirmações sobre as “relações de ideias” são verdades necessárias — por exemplo, os axiomas da lógica. Por outro lado, as afirmações sobre “questões de facto” nada mais são do que verdades contingentes: negar uma afirmação de origem empírica não é uma auto-contradição, alegadamente e segundo Hume, porque o estádio dos assuntos descritos poderia ser outro.
2/ O método para verificação da verdade ou falsidade é diferente nos dois casos: a verdade ou falsidade de afirmações acerca das “relações de ideias” é estabelecida independentemente de qualquer recurso à evidência empírica — Hume declarou que embora nunca tenha existido um triângulo ou um círculo perfeitos na natureza, as verdades demonstradas por Euclides permanecerão para sempre certas e evidentes.
Por outro lado, a verdade ou a falsidade das afirmações sobre “questões de facto” estabelece-se com recurso à evidência empírica — ou seja, segundo Hume, não se pode determinar a veracidade da afirmação de que qualquer coisa aconteceu, ou vai acontecer, simplesmente pensando no significado das palavras.
Por isso, Hume estabeleceu uma demarcação entre as afirmações necessárias da matemática, por um lado, e as afirmações contingenciais da ciência empírica, por outro lado.
Esta demarcação foi, mais tarde, útil a Newton quando este estabeleceu a distinção entre um sistema dedutivo formal, por um lado, e por outro lado a sua aplicação à experiência. A demarcação de Hume colocou um problema agudo a um qualquer ingénuo moderno que pretenda ler na natureza uma estrutura matemática necessária.
Mais tarde ainda, Einstein (in “Geometry and Experience”) afirmou o seguinte acerca da visão de David Hume:
“Quanto mais as leis da matemática se referem à realidade, menos elas estão certas; e quanto mais certas estão, menos se referem à realidade”.
Porém, e à luz da quântica actual, as coisas já não são exactamente assim como Hume e Einstein pensavam. Mas isso dava outro “filme”.
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