«Deixei de acreditar nas utopias. Ou este mundo é uma espécie de incubadora na qual somos preparados para nascer para uma outra realidade melhor ou pior, ou não é. Em todo caso, o planeta parece observar uma temperatura média de estupidez, tirania, intemperança e preguiça; e isto produz uma espécie de alegria parcial e convulsiva em quem gosta. E parecia que este estado de coisas subsiste devido a certo equilíbrio de temperamentos. É provável que uma utopia só seja satisfatória para a minoria mais enérgica da espécie.»
Não me interessa saber: “¿Então não sabes quem foi Ezra Pound?!!!”. Fernando Pessoa foi bem mais genial (porque ele não acreditava na sua própria divindade) e também escreveu asneiras.
Quando nós dizemos que “é provável”, estamos perto da certeza. “É provável” não é a mesma coisa que “é possível”. E também não é a mesma coisa que “é verosímil”. “É provável” revela uma forte convicção, uma crença já muito próxima da certeza da fé.
A utopia não é o “humanamente possível”: em vez disso, é o “humanamente improvável”.
O “humanamente possível” fez Jesus Cristo que não prometeu nem advogou um paraíso na Terra.
Entre o “humanamente possível” e o “humanamente improvável” vai a distância entre o homem saudável e o doente mental.
Reconhecer o “humanamente possível” é ter a noção clara dos limites das possibilidades do real; por exemplo, é tentar sempre combater a fome no mundo tendo a consciência da probabilidade de sobrarem famintos; ou tentar sempre combater a guerra sabendo previamente que existirão provavelmente conflitos. Este é o homem “humanamente possível”: sabendo que a desgraça e o sofrimento fazem parte do mundo, tenta reduzi-los ao mínimo possível sem ter a veleidade de construir um paraíso na Terra.
O homem “humanamente improvável” é o super-homem da utopia; é um mito. O utopista pensa que pode moldar o real, assim como um literato louco e enfezado pode pensar que é Napoleão Bonaparte.
O utopista é aquele que se aproveita da “temperatura média de estupidez, tirania, intemperança e preguiça” no mundo para colocar a estupidez, a tirania e a preguiça em estado de ebulição; em vez de empregar as suas energias no possível, o utopista aposta todas as suas forças no improvável ao mesmo tempo que se deleita em “uma espécie de alegria parcial e convulsiva”.
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