quinta-feira, 4 de setembro de 2014

As tergiversações do Padre Gonçalo Portocarrero de Almada

 

O Padre Gonçalo Portocarrero de Almada cita aqui Mateus 21,31; e conclui — o Padre — que “as mulheres de má-vida os iriam preceder no reino dos Céus”. Ora, nem sempre um Padre, por ser Padre, tem razão (neste aspecto dou razão a Kant); e isto porque a conclusão do Padre é retirada do contexto que é devido (a parábola dos dois filhos que começa em Mateus 21,28). Parece que o Padre — à semelhança do politicamente correcto — perdeu a noção de juízo universal. O Padre parece não gostar da ideia da separação do trigo e do joio (Mateus 13, 24); ou então, o Padre interpreta o Novo Testamento conforme lhe convém.

1/ O Juízo de Valor  não é necessariamente ad Hominem 

Em João 8,11, Jesus Cristo disse à mulher adúltera: “Eu não te condeno; vai e não voltes a pecar”. Ou seja, não condenando a mulher, Jesus emitiu um juízo de valor acerca do seu (dela) comportamento. Por outras palavras: Jesus Cristo não condenou a pecadora mas condenou o pecado.

O que se passa hoje, com estes novos católicos modernistas liderados pelo cardeal Bergoglio, é que se confunde propositadamente o pecado, por um lado, e o pecador, por outro lado: dizem eles: “se condenarmos o pecado, estamos a condenar o pecador. E, por isso, não devemos fazer uma coisa nem outra”.

Resumindo esta primeira parte: Jesus Cristo disse, grosso modo, que “entrará no Reino dos Céus quem se arrepende, independentemente do seu estatuto social”. Mas não me parece que foi isso que o Padre Gonçalo Portocarrero de Almada quis dizer quando mencionou, de uma forma desgarrada e descontextualizada, Mateus 21,31.

2/ A falácia da mediocridade 

O Padre Gonçalo Portocarrero de Almada refere Mateus 13,47 (A rede), mas, outra vez, descontextualiza. O facto de o trigo e o joio (Mateus 13,24-39) serem separados na colheita (no fim do processo de crescimento) não significa que — segundo Jesus Cristo — o trigo deixe de ser trigo e o joio deixe de ser joio. Segundo Jesus Cristo, o trigo e o joio não se confundem, independentemente de “a colheita ser feita no fim do processo de crescimento”. Não há, da parte de Jesus Cristo, relativismo no juízo de valor  em relação ao trigo e ao joio: não há como dizer que “é tudo igual” ou mesmo semelhante. Não há como interpretar erradamente o pensamento de Jesus Cristo.

“Já vos escrevi na minha carta [alusão a uma carta pré-canónica] para não vos relacionardes com os devassos. Não me referia genericamente aos devassos deste mundo, ou aos avarentos, ladrões, ou idólatras, porque, então, teríeis que sair deste mundo. Não. Escrevi que não devíeis associar-vos com quem, dizendo-se irmão [cristão], fosse devasso, avarento, idólatra, caluniador, beberrão ou ladrão. Com estes, nem sequer deveis comer.”

— S. Paulo, 1 COR 5, 9

Ou seja, parece que o Padre recomenda que o cristão comum conviva intimamente (como é apanágio dos irmãos cristãos), por exemplo, com prostitutas ou ladrões que se dizem também “cristãos” e que frequentem a igreja da freguesia — partindo do princípio de que elas e eles se arrependerão um dia destes, e ganharão o Reino dos Céus. Porém, temos que convir que há aqui o risco de transformar a igreja da freguesia em um lupanar ou na gruta do Ali Bábá.

3/ Ser “não-selectivo” é uma forma de ser selectivo

Podemos ser selectivos na medida em que não seleccionamos — somos negativamente selectivos, mas não deixamos de ser selectivos. Pode-se ser uma espécie de “cátaro” dizendo-se que não é; pode-se ser um “cátaro do avesso”; pode-se ser um “cátaro” que o é porque se assume o exclusivismo de não o ser. Pode-se ser uma espécie de Rei Filipe O Belo que mandou matar os cátaros em nome do exclusivismo de “não ser cátaro”. Pode-se ser positivamente cátaro ou negativamente cátaro — mas nem por isso se deixa de ser cátaro, de alguma forma.

Mas Jesus Cristo não foi negativamente selectivo: pelo contrário!

O facto de “a Igreja ser aberta”, não significa que ela (a Igreja) tenha que ser negativamente selectiva, que prescinda dos juízos de valor, e que nivele a ética por baixo. O Padre não diz explicitamente isto, mas pode tresler-se facilmente no seu texto: hoje está na moda dizer-se o que a turba gosta de ouvir.

Entre ser positivamente selectivo, por um lado, ou negativamente selectivo, por outro, é, por princípio, menos hipócrita ser o primeiro. Do mal, o menos. E depois temos que saber, como e em relação a que, se aplica a positividade selectiva — que não significa necessariamente que se se considere a existência de uma plêiade de eleitos, mas antes que se considere que existem juízos de valor e uma verdade que não pode ser relativizada.

A pior forma de elitismo é a que se reveste de uma selectividade negativa, porque para além de expressar um individualismo exacerbado, utiliza a benevolência hipócrita quase exclusivamente em proveito próprio.

4/ É preciso saber o que é caridade e o que é a ciência

O Padre Gonçalo Portocarrero de Almada escreve:

“Vale mais a unidade da Igreja e a sua solidariedade com os pecadores do que esse rigorismo doutrinal, contrário à caridade apostólica.”

Mas S. Paulo escreveu:

“A ciência incha; mas a caridade edifica” (cito de memória).

E não houve ninguém mais rigoroso na doutrina do que S. Paulo! Ou seja: o “rigorismo doutrinal” não é incompatível com a “caridade” — a não ser que o Padre considere que S. Paulo foi um mentecapto, o que não me admiraria nada, nos tempos que correm.

Criar uma dicotomia entre o “rigorismo doutrinal”, por um lado, e a “caridade”, por outro lado, lembraria certamente ao capeta (e ao cardeal Bergoglio). Parece que ciência retórica do Padre não se coaduna com o conceito Paulista de “caridade”. Sinal dos tempos...

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