segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

O infinito e a transcendência

 

infinito

Algumas notas de cálculo — estudo do artigo de Alfred van der Poorten sobre a irracionalidade de zeta de 3, ζ(3), segundo Roger Apéry



O conceito de “irracional”, em matemática, é diferente do “irracional” do senso comum e mesmo da filosofia de consumo universitário. Quando se diz que uma função ou/e um número é “irracional” quer-se dizer que não são nem redutíveis a uma fracção finita, nem são periódicos. Mas não só: a função pode ser “transcendente”, o que significa que é uma “singularidade”.

No trecho supracitado, é utilizado o termo “transcendente”: uma equação é irracional e transcendente porque se aproxima de uma “singularidade”, que é o ponto em um determinado domínio de uma função no qual o valor da função se torna indefinido.

Em uma singularidade típica, a função matemática “aponta para o infinito”, ou seja, na área em torno da singularidade, o valor da função aumenta à medida em que este se aproxima daquela ― quanto mais próximo da singularidade, maior é o valor; quando o valor chega à singularidade, torna-se infinito. A singularidade aponta para o “irracional” (entre aspas) de uma função.

Na astrofísica, o buraco-negro é também referido como uma “singularidade”. Quando a matéria de uma estrela em fim de vida é comprimida para além de um terminado ponto — conhecido como “radius de Schwarzchild” —, torna-se impossível a alguma coisa escapar à sua gravidade, produzindo um ponto de massa de uma “densidade infinita”. Na singularidade, as leis da Física (e da ciência em geral) deixam de ser aplicáveis.

O que importa tratar aqui sobre trecho em epígrafe não é a complexidade do verbete que expõe tese de  artigo de Alfred van der Poorten — até porque eu não tenho capacidade técnica para tal —, mas antes é o conceito de “infinito”.

O conceito de “infinito” já não pode ser hoje o mesmo que era, por exemplo, no século XIX, ou mesmo no início do século XX: já não pode ser imanente (Leibniz), nem pode ser classificado de “especulação” (Hegel) ou de “ilusão da razão” (positivismo). O infinito só pode ser hoje concebido como algo que transcende a racionalização da realidade, e por isso o infinito não pode ser imanente, isto é, o infinito transcende o espaço-tempo.

O infinito é o estado permanente de singularidade.

A matemática detectou o infinito, ou seja, detectou a singularidade que transcende o espaço-tempo. Detectou mas não o explica; nem é a sua função explicá-lo. Aliás, a física também não consegue explicar os buracos-negros: apenas os descreve — porque a explicação pressupõe um juízo normativo, consiste em apresentar de forma completa o objecto considerado para que se torne bem conhecido. Constatar um facto, e descrevê-lo, não é explicar esse facto.

“Um louco é aquele que perdeu tudo excepto a razão” — G. K. Chesterton

Portanto, quem hoje reduz a realidade à  imanência (ao espaço-tempo), não só vai contra o princípio transcendente do infinito ou singularidade matemática, como recusa a ideia segundo a qual a singularidade de um buraco-negro não pode ser explicado. Ou seja: não é a transcendência que é irracional, porque ela é detectável pela razão: é a recusa da transcendência que é irracional porque coloca em causa a razão.

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