domingo, 9 de agosto de 2015

O ágape como referência ética

 

Os animais ditos irracionais têm mobilidade, expressão e comunicação. E até têm simbolismos. Por exemplo, uma bactéria tem uma mobilidade que um bebé recém-nascido não tem; mas isso não faz da bactéria um animal mais valioso (valor) do que um ser humano recém-nascido.

A linguagem humana não é apenas expressão, e não é apenas comunicação — os animais também as têm. Existe mesmo um simbolismo ritualístico nos animais, embora seja um simbolismo iludente: por exemplo, as borboletas simulam simbolicamente os olhos. Mas o ser humano foi o único que “deu um passo” no sentido de verificar as suas próprias teorias através de argumentos críticos no que respeita à verdade objectiva (a função argumentativa, que os animais não têm).

No ser humano “surgem” as proposições descritivas, ou seja, a função representativa, segundo Karl Bühler: frases que descrevem um estado de coisas objectivo, que pode, ou não, corresponder aos factos; ou seja, de proposições que podem ser falsas ou verdadeiras. É aqui que reside a principal diferença, do ponto de vista formal, do ser humano em relação aos animais.


madre_teresaHá quem considere — por exemplo, Peter Singer e os seus apaniguados — que as diferenças supracitadas entre o ser humano e os animais não são importantes. Temos aqui um problema de classificação de valores.

Por exemplo, Ana Matos Pires (Jugular) e Adolfo Mesquita Nunes colocam acima da vida do feto, a putativa “liberdade” da mulher; podemos discutir se essa “liberdade” existe de facto em toda a extensão presumida, mas não cabe agora aqui fazê-lo.

Portanto, os valores da Ana Matos Pires não contemplam a potencialidade humana do feto e do recém-nascido, de que o Ludwig Krippahl fala aqui. Temos aqui uma diferença substancial.

Para a Ana Matos Pires, a liberdade é sinónimo de acto gratuito 1, próximo da “liberdade da indiferença” 2 . Falta analisar se a posição de Ana Matos Pires, por exemplo, é consentânea com a Razão (entendida como “racionalidade”). Penso que não é: a sua posição nesta matéria é irracional e até anti-científica.

Por exemplo, ¿alguém terá razões para criticar a Irmã Teresa de Calcutá por não ter tido filhos?

As nossas decisões éticas são avaliadas em função do ágape, que é o ponto de referência ético. Ou seja, o valor da aproximação existencial ao ágape é superior ao valor de ter filhos. Mas essa aproximação existencial ao ágape deve ser traduzida em actos que a justifiquem, e não apenas em intenções fátuas. E esses actos não podem partir de um princípio teleológico, isto é, do princípio de que os fins justificam todos os meios. O ágape baseia-se em uma ética ontológica, segundo a qual o ser (em geral, mas o ser humano em particular) está no centro da acção ética.


Notas
1. Acto que não é objectivamente motivado e que manifesta a existência de uma liberdade absoluta — por exemplo, um crime sem móbil é um acto gratuito. A vontade de provar a liberdade absoluta por intermédio de um acto sem móbil constitui em si mesmo um móbil.

No fundo, trata-se de um acto perpetrado em função de um capricho, embora um capricho reflectido e pensado, e representando o exercício de um arbítrio total. O objectivo do acto gratuito é o de afirmar uma liberdade total, contra toda a moral e mesmo contra a Razão. Ver o filme de Alfred Hitchcock, “A Corda”.


2. Situação de uma pessoa incapaz de escolher entre dois actos, sendo o móbil ou motivo em favor de um ou de outro, equivalentes. Em Descartes, esta liberdade da indiferença é considerada como "o grau mais limitado da liberdade", mesmo se é testemunha, ao mesmo tempo, de um puro arbítrio que assemelha o Homem a Deus.

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