sexta-feira, 23 de outubro de 2015

O papa-açorda Francisco nega a multiplicação dos peixes e dos pães

 


O milagre do multiplicação dos peixes não vem apenas descrito no Evangelho de S. João: também vem em S. Marcos. Se viesse apenas descrito em S. João poderíamos falar em “puro significado simbólico”; mas quando S. Marcos também fala dele (e o Evangelho de S. Marcos é anterior), o “puro significado simbólico” deve ser descartado.

Não temos qualquer acesso ao mundo independentemente da interpretação — nem no conhecimento, nem na acção, nem em qualquer outro lugar.

Em analogia: devemos conceber a interpretação da Realidade feita por um ser humano como um programa de processamento de dados — a “realidade para nós”, por um lado e a “realidade em si”, por outro lado, não coincidem.

O nosso comportamento perante a Realidade não é passivo; nós participamos activamente na sua construção — embora não criemos a “realidade em si”, ou seja, não inventamos dos dados a partir dos quais o nosso cérebro constrói as coisas (a não ser que se seja psicótico ou de Esquerda, o que vai dar no mesmo). No entanto, somos de facto criadores da “realidade para nós” na medida em que o nosso cérebro “monta” precisamente as coisas que vemos e a partir dos dados reais; e esperamos que ambas as realidades (a nossa, e a real) sejam tão semelhantes quanto possível (na esteira de S. Tomás de Aquino: “a verdade é a adequação do intelecto à realidade”).

Em rigor, o que podemos dizer, com certeza, acerca da “realidade em si” é aquilo que ela não é — porque, quando as nossas construções da realidade fracassam, deparamo-nos com a realidade “por detrás” da nossa construção da realidade. Mas dado que só podemos sempre descrever e explicar o nosso fracasso através dos conceitos que utilizámos para a construção das estruturas falhadas, nunca obtemos uma imagem do mundo que justifique e explique o nosso fracasso.

O programa de processamento de dados do homem moderno é um programa (software) técnico-científico. O papa-açorda Francisco é um homem moderno assumido. Logo, o papa-açorda Francisco tem a tendência para recusar o milagre.

O programa de processamento de dados técnico-científico do homem moderno constrói a realidade através da sua (da realidade) decomposição nos seus elementos, e investigando-os de acordo com leis causais (princípio da causalidade). A separação entre o observador e o objecto observado é um pressuposto fundamental neste procedimento — pressuposto que já foi colocado em causa pela física quântica.

Para além do programa de processamento de dados técnico-científico, existem outros programas de processamento de dados: tratam-se de processos únicos, impossíveis de repetir em um laboratório 1. São processos sem estatística necessária. São programas de processamento de dados que eliminam, em parte, a diferença entre sujeito e objecto, em que estão em causa o Ser e o não-ser, e a totalidade da Realidade, ou seja, o encontro com o sagrado.

O encontro com o sagrado remete para um nível de percepção diferenciada. Quando se diz, por exemplo, que Jesus Cristo “caminhou sobre as águas”, isto significa que os seres humanos fizeram a experiência de um acontecimento directo e irrepetível com o sagrado; e esta experiência é tão verdadeira quanto uma experiência decorrente de um programa de processamento de dados técnico-científico.

Para os discípulos que estavam no barco, Jesus caminhou realmente sobre as águas — a “realidade em si” proporciona espaço de manobra para programas de processamento de dados diferentes do técnico-científico.

No programa de processamento de dados técnico-científico, as regularidades (estatísticas) descobertas pela ciência também constituem aproximações à Realidade — não sendo, de qualquer modo, completamente congruentes com as regularidades da “realidade em si”.

Os milagres são possíveis por princípio.

Porém, na base do programa de processamento de dados técnico-científico moderno, os milagres são impossíveis; mas é errado afirmar que os milagres são impossíveis, por princípio: quem argumenta assim confunde o mundo que tem na sua cabeça com a “realidade em si” (a verdadeira realidade), como é o caso do papa-açorda Francisco.

Nota

1. Há acontecimentos que podem ser reais e de difícil prova (porque a prova científica baseia-se na repetição dos fenómenos). O físico francês Roland Omnès, no seu livro “Filosofia Quântica”, afirma que é possível que uma pequena pedra, por exemplo, desapareça de um sítio e apareça noutro sítio, através daquilo a que se chama “salto quântico” ou “efeito de túnel”. E se algumas pessoas assistirem ao fenómeno de desaparecimento e posterior aparecimento da pedra, não poderão jamais fazer prova do que viram objectivamente, porque a probabilidade de o fenómeno se repetir espontaneamente na Natureza é superior a 1 em 10^80 (1 seguido de 80 zeros), o que é uma impossibilidade matemática.

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