domingo, 1 de novembro de 2015

A falácia naturalista de Epicuro

 

« Epicuro, na Carta a Meneceu, defende que estar morto nunca é um mal para quem morre. Por isso, não nos devemos incomodar ou ter medo da nossa futura condição de estar morto. Epicuro justifica que estar morto não é um mal para quem morre argumentando que “todo o mal e todo o bem assentam na sensação e a sensação acaba com a morte”. »

Será mau estar morto? Um argumento de Epicuro

Podemos comparar a tese de Epicuro com a tese de Peter Singer segundo a qual os seres humanos com deficiências graves não têm qualquer direito à vida porque, diz este, a situação real de um deficiente grave é “uma vida que não vale a pena”.

Tal como Peter Singer, Epicuro incorre em uma sofisma naturalista, visto não se poder tirar conclusões morais de um facto — por exemplo, o facto de os homens em geral terem barba não significa que todos devam deixar crescer a barba; não se retira (de forma automática e necessária) do facto de os homens terem barba uma obrigação de deixar crescer a barba.

Epicuro não pode dizer se “a morte é boa ou má para quem morre”, porque não pode tirar conclusões morais de um facto; e porque ele teria que pré-definir o “bom” e o “mau”. Ora, “bom” é uma proposição sintética; não podemos identificar o “bom” ou o “mau” com a sensação, com o prazer ou com o desejo: o conteúdo do conceito de “bondade” (ou “maldade”) é indefinível, inefável e intuitivo.


Ademais, Epicuro “aplaina” o subjectivo, ou seja, ignora o conceito de “auto-referencialidade”. Vejamos a seguinte frase:

“Houve um tempo em que eu não vivia, e chegará um tempo em que não viverei”.

Na tentativa de pensar a minha não-existência (por exemplo, a minha morte), tenho que inventar uma imagem de mim próprio como se fosse outra pessoa. Porém, é um facto que nunca poderei sair de mim próprio de modo a pensar-me a partir do exterior. Se me penso a partir do exterior, não me penso a mim; se me penso a partir do meu interior, então não posso pensar como seria não-existir.

Em suma: quando Epicuro afirma que “chegará um tempo em que estarei morto, e isso não será mau”, tenta pensar a sua não-existência — porém, o Eu não pode compreender-se a si próprio e (simultaneamente) para si próprio —, por um lado, e incorre em uma falácia naturalista, por outro lado.

Finalmente, a primeira premissa de Epicuro está errada. A premissa é a seguinte: “Não somos afectados por um evento ou estado de coisas antes de acontecer”.

Esta premissa é falsa. Por exemplo, se a NASA anunciar que um meteoro com 2 quilómetros de diâmetro terá uma probabilidade de embater na Terra dentro de 30 anos, esse evento provável, embora não ocorrido, vai afectar-nos a nível psico-somático. Mesmo que tentemos ignorar a morte eminente e imanente, ela não desaparece das nossas vidas (a não ser que sejamos loucos).

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