sexta-feira, 13 de novembro de 2015

O Rei não é um presidente da república

 

Quando o Príncipe do Liechtenstein — que é uma monarquia constitucional — se viu confrontado com uma lei do aborto proposta pelo parlamento, não só vetou a lei como também ameaçou abdicar do cargo se a lei não fosse revogada. E a lei do aborto acabou por ser revogada no Liechtenstein.

Este é apenas um exemplo que ilustra por que razão o João Távora está errado (e o D. Duarte Pio também).

djoao2O João Távora faz uma confusão quando diz que “o rei não pode entrar em conflito com os partidos do parlamento de que não gosta”; não é uma questão de “gostar” ou “deixar de gostar”: é uma questão de valores e de convicções. Se o João Távora e D. Duarte Pio não sabem o que são valores, então não se distinguem de um qualquer político que não age segundo aquilo que pensa, mas antes age segundo aquilo que lhe parece ser mais eficaz. Ora, o Rei não é um político qualquer (não faz parte da classe política).

Se existisse, por absurdo, um partido neonazi coligado com o Partido Social Democrata e o CDS/PP, o João Távora acharia certamente que o Rei deveria dar posse a um governo dessa coligação, embora “existissem riscos”. O problema é o de saber se um partido neonazi e/ou o partido estalinista devem fazer parte do espectro partidário legal e legítimo.


Parece-me que o João Távora não percebeu ainda o que é um Rei. Um Rei não é uma espécie de presidente da república — e parece-me que Cavaco Silva procura emular um verdadeiro Rei.

O fundamento da legitimidade do Rei é um fundamento metajurídico. Embora seja o garante da Constituição, o Rei (enquanto símbolo) está antes da Constituição. E é por isto que um Rei não é republicano.

Se fosse verdade, como diz o João Távora, que “o Rei só se deve pronunciar sobre questões que toquem a sua consciência ou naquelas em que pressentir choque com a cultura social predominante”, então Príncipe do Liechtenstein teria promulgado a lei do aborto no seu (dele) país proposta pela maioria do parlamento; mas não o fez — porque o símbolo do Rei ultrapassa os recursos da jurisprudência e precisa de ser analisado de forma não convencional.

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