O Domingos Faria escreve aqui um texto acerca dos “dilemas morais”, criando uma série de argumentação “lógica” que alegadamente nega a existência de tais dilemas. Porém, ao entrincheirar-se na lógica, o Domingos Faria escamoteou (esqueceu-se de mencionar) a noção de “valor”.
Um dos maiores filósofos do “valor” é Louis Lavelle, mas infelizmente não existem livros dele (traduzidos para o português) actualmente disponíveis nas livrarias. Um dos livros dele (senão o mais conhecido) é o “Traité des Valeurs” (se souberem ler em francês).
Se juntarmos Louis Lavelle ao realista Nicolai Hartmann, temos a resposta para as indagações do Domingos Faria acerca da existência (ou não) dos dilemas morais (ou seja, não necessitamos do formalismo lógico para demonstrações sobre a ética).
1/ o valor está enraizado na própria identidade do ser → é impossível considerar o valor tão-só como produto do homem, que busca fazê-lo emergir da criação indiferente. Com efeito, se a própria vontade emerge da criação, é necessário que a criação lhe responda. Afirmar que o valor pertence à categoria do ideal, e não à do real, também não basta; na verdade, tal perseguição do ideal está ancorada no real e dá-lhe a sua significação. O valor não pode ser oposto ao ser, visto que nasce no seio do próprio ser — dado que é quando o ser escapa ao valor que ele nos parece incapaz de se bastar, e que encontramos no próprio ser um princípio que nos permite corrigi-lo e reformá-lo incessantemente.
2/ ou seja, os valores morais estão pré-determinados objectivamente, e o ser humano apenas tem que os encontrar. Isto significa que, tal como existe uma verdade objectiva no domínio da Natureza, também existem valores morais objectivos no domínio do espírito. Os valores possuem uma existência em si, o que significa a independência do facto de o sujeito os considerar como tal.
Tal como o axioma segundo o qual “cada círculo tem um centro” existe sempre e é sempre verdadeiro numa dimensão espiritual (independentemente de algum ser humano o reconhecer ou não), assim também os valores existem também num dimensão “ideal” independentemente do seu conhecimento ou da sua aplicação moral.
3/ os valores não são todos iguais. Existe uma hierarquia de valores. Por exemplo, o valor do altruísmo está acima do valor do interesse próprio. Uma boa acção consiste na preferência do valor superior, e uma má acção consiste na opção por um valor inferior.
Se, por exemplo, se alguém rouba um Banco para pagar as suas dívidas e assim demonstrar a sua credibilidade, decide-se por um valor inferior. O bem é a orientação para o valor superior, o mau, no entanto, é a orientação para o valor inferior.
Se houvesse um conflito entre valores de importância igual (double-blind), o ser humano tornar-se-ia tragicamente culpado, independentemente do seu comportamento. Mas a verdade é que a ideia de “valores de importância igual” é falsa, e por isso é que o dilema moral só existe em função da ignorância humana. Tal como os seres humanos não conhecem todas as verdades da Natureza, também os seres humanos não conhecem todos os valores. Cada moral vigente (em cada cultura) reconhece apenas alguns valores; ou um único valor, que salienta, para o tornar o ponto de referência de tudo o resto. Por conseguinte, cada moral vigente, por muito unilateral que seja, possui uma verdade.
4/ o problema é o de saber qual é a posição que um determinado valor ocupa na hierarquia de valores: para poder estabelecer uma hierarquia de valores, eu teria que a deduzir de alguma coisa. Ou seja, a filosofia teria que ser capaz de um conhecimento metafísico absolutamente seguro — o que a filosofia não é capaz de fazer. No caso da tradição europeia, só a religião cristã nos pode ajudar a contornar os chamados “dilemas morais”.
“O pensamento que se quer sempre justo, paralisa-se. O pensamento progride quando caminha entre injustiças simétricas, como entre duas filas de enforcados”. → Nicolás Gómez Dávila
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