segunda-feira, 7 de maio de 2018

O bom-senso da humildade ou a humildade do bom-senso

 

O Ludwig Krippahl confunde aqui “humildade” e “bom-senso”.

A humildade, entendida como “capacidade de reconhecer os próprios erros, defeitos ou limitações”, é sempre sinal de bom-senso.

A humildade combina a compreensão dos limites da nossa competência com a disposição para restringir o que fazemos ao que cabe nesses limites. O que, geralmente, é uma virtude. Se vir um acidente ligo para o 112 e aguardo que chegue alguém competente para assistir os sinistrados. Não vou inventar tratamentos. Não vou medicar os meus filhos, nem reparar o elevador nem substituir os travões do carro. É óbvia a virtude de reconhecer os limites da minha competência quando passar esses limites possa prejudicar alguém. Mas a humildade nem sempre é virtude”.

O bom-senso não tem qualquer relação com a filosofia, ou com o conhecimento (ou com a ciência), mas antes com a boa atitude revelada pela prudência (phronesis).

O bom-senso, pode ser definido como o juízo prudente e saudável baseado na simples percepção das situações e dos factos – juízo esse que concede à sociedade um nível básico de julgamentos e de conhecimentos que lhe permita viver de uma forma razoável e segura.

“Bom-senso” não é a mesma coisa que “senso-comum”. O senso-comum é um postulado, e não um facto. O único senso-comum necessário à filosofia prática é a razão elementar (ausência de loucura).


O conceito de “humildade” tem várias noções (diferentes significados, ou diferentes definições nominais).

Por exemplo, “humildade” pode ser “demonstração de respeito, de submissão”; mas não é esta a noção de “humildade com” que o Ludwig Krippahl inicia o texto.

A noção de “humildade” com que o Ludwig Krippahl inicia o texto é a de “capacidade de reconhecer as próprias limitações”. Partindo desta noção, o Ludwig Krippahl entrou em um “modo semântico”, e passou depois, logo adiante no mesmo texto, a entender a “humildade” como uma forma de “submissão”.

Ou seja, o Ludwig Krippahl constrói o texto com “sorites” — que é um sofisma que consiste em acumular proposições que podem ser verdadeiras, mas cuja conclusão é ilegítima por falta de ligação entre essas proposições.

Por exemplo: “Sou o homem mais belo do mundo. Com efeito, Paris é a cidade mais bela do mundo, o meu colégio é o mais belo de Paris, o meu quarto é o mais belo do colégio; sou o homem mais belo do meu quarto. Por isso, sou o homem mais belo do mundo” (Cyrano de Bergerac).

Por exemplo, quando o Ludwig Krippahl escreve:

“Num diálogo crítico, a humildade só atrapalha. Se eu encontrar um texto sobre astrologia, ou teologia, ou sobre o paradoxo filosófico da ressurreição, e me parecer que aquilo é treta, é verdade que estarei a formar uma opinião fora dos limites da minha competência. Mas se, por sair desses limites, eu formar uma opinião errada, o silêncio humilde só vai esconder o erro e proteger a minha vaidade. Continuarei com uma opinião errada. Por isso, quem se interessa pela verdade nunca deve limitar a expressão das suas opiniões àquilo em que é competente. Deve mostrar o que pensa sem batom, pinturas ou disfarces. Assim, se errar, pode depois corrigir”.

O que pode “atrapalhar” não é a humildade: é a falta de bom-senso — porque “humildade” não significa necessária- e somente “submissão” (racionalizada ou irracional). “Humildade” pode significar “reconhecimento dos seus próprios limites”, e neste caso a “humildade” é uma manifestação de bom-senso.

Quem se cala perante os erros dos outros ou é egoísta ou é estúpido. Ou então já desistiu de argumentar perante a deficiência cognitiva do interlocutor.

Em geral, essa pessoa não tem bom-senso; e não é humilde. Alguém que — colocado perante o erro objectivo e factual do outro — não se manifesta (de forma polida, como manda o bom-senso) perante o erro porque receia magoar o seu interlocutor, não é humilde (no sentido em que se inicia o texto): em vez disso, é estúpido ou egoísta (não está para se maçar).

Por exemplo: não ir contra a opinião errada do nosso patrão (por motivos egoístas, ou por mera estupidez) pode até fazer parte do senso-comum; mas não faz parte do bom-senso.
O bom-senso aconselha que digamos ao patrão a verdade dos factos, mesmo que estes o incomodem; e mesmo correndo o risco de que o patrão não tenha bom-senso, se sinta incomodado pelos factos e nos despeça (esse patrão não terá provavelmente uma vida empresarial muito longa).


Os gregos chamavam de “doxa” à opinião que não tem em conta a necessidade de explicação causal. Em contraponto, o “episteme” é um saber superior, universal (que se opõe à opinião particular, ou doxa) e teórico (que difere de aptidões práticas).

“Quem se interessa pela verdade”, mesmo que não seja competente na matéria que discute, deve ter o bom-senso de adoptar uma postura epistemológica (episteme) em vez de opinar não tendo em contra a necessidade de explicação causal (doxa). Nas discussões, o que conta verdadeiramente é a atitude de bom-senso (que, por exemplo, a Esquerda geralmente não tem) que parte do princípio de validade do nexo causal (e lógico) dos fenómenos.

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