Há quatro reparos que eu quero fazer a este texto acerca da “ofensa”.
1/ Por exemplo, eu posso dizer da Isabel Moreira (o meu ódio de estimação) aquilo que o Maomé não diria do toucinho, que ela faria certamente ouvidos de mercador; mas se uma qualquer “figura pública” (ou seja, pessoa conhecida pela televisão) lhe fizer um qualquer benigno e inocente reparo, a Isabel Moreira manifesta-se publicamente como uma virgem ofendida possuída por uma bruxa medieval.
Portanto, a “ofensa” tem a importância de quem a profere; e se um mero reparo vier de uma “pessoa importante”, nem é preciso ser ofensa: a vítima ofende-se mesmo sem qualquer ofensa.
2/ Por outro lado, há o “Poder da ofensa” — a assimetria do Poder da ofensa. O direito a ofender não é todo igual: há pessoas com mais Poder de ofensa do que outras. Por exemplo, quando a Isabel Moreira diz a que Assunção Cristas é “fassista”, e esta cala-se caladinha, revela-se assim a assimetria do Poder da ofensa. A Isabel Moreira tem mais “direito à ofensa” do que a maioria das pessoas. A Isabel Moreira é uma privilegiada da ofensa.
Mas, por exemplo, se alguém diz publicamente que “a Isabel Moreira tem um furúnculo na bochecha”, cai o Carmo e a Trindade!: ela deita logo mão da sua “superioridade ofensiva” e reduz imediatamente o prevaricador a um ectoplasma político (sempre com o apoio massivo dos me®dia). Como diz a canção do Zeca : “se alguém a afronta / com o seu ar sisudo / e lhe franqueia a porta à chegada / ela come tudo e não deixa nada”.
3/ Ademais, há uma diferença entre a “ofensa política”, por um lado, e a “ofensa juridicamente enquadrada”, por outro lado. Por exemplo, a injúria (ou a difamação) é uma ofensa juridicamente enquadrada. O problema é estabelecer a fronteira entre as duas coisas. A “ofensa política” não poderá ser punida juridicamente, a não ser em um Estado totalitário (por exemplo, o leviatão da União Europeia).
Desde logo, a injúria e a difamação têm que ser falsas (têm que ser mentirosas), para serem consideradas como tais, do ponto de vista jurídico.
Por exemplo, se eu disser publicamente que “o Adolfo Mesquita Nunes é paneleiro”, não é uma injúria nem uma difamação, simplesmente porque estou a dizer uma verdade que o próprio Adolfo Mesquita Nunes reconheceu publicamente como tal. Naturalmente que o Adolfo Mesquita Nunes pode interpretar a palavra “paneleiro” de forma diferente de mim, mas as subjectividades não determinam o Direito: fanchono, paneleiro, panasca, guei, homossexual, abafa-palhinhas, etc., são definições nominais possíveis do mesmo fenómeno.
A linguagem de um carrejão do porto de Leixões não é ontologicamente inferior à de um menino “queque” de Cascais que diz “pilinha”, em vez de “caralho”.
4/ a ofensa, entendida do ponto de vista jurídico, tem que ter fundamentos metajurídicos que, por definição, estejam “para além” da Constituição — ou seja, a noção de “ofensa” não pode ser determinada arbitrariamente, em qualquer época e ao sabor da moda, por uma qualquer associação política de malfeitores que exerçam o Poder em nome de uma alegada e putativa "Vontade Geral". A “ofensa” (assim como a ciência e os costumes) também tem tradição.
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