segunda-feira, 21 de julho de 2014

O absurdo da ideia da neurociência da “consciência como epifenómeno do cérebro”

 

Reza a história que num simpósio de investigadores da natureza realizado em Göttingen, Alemanha, em 1854, um fisiólogo presente, de seu nome Jacob Moleschott, declarou que, “tal como a urina é uma secreção dos rins, assim as nossas ideias são apenas secreções do cérebro”. Perante isto, o conhecido filósofo Hermann Lotze levantou-se, e disse que “ao ouvir tais ideias do distinto colega conferencista, quase acreditei que ele tinha razão...”

Hoje vivemos em um mundo em que é legítimo dar a uma pessoa uma resposta estúpida a uma pergunta estúpida, porque o pensamento e as crenças não coincidem.

O fluxo de sinais que aflui ao cérebro (cerca de 100 milhões de células sensoriais) não é portador de qualquer indicação de quaisquer propriedades (materiais) para além destas células — a não ser o facto de estas células terem sido estimuladas em determinados pontos da superfície do corpo.

Portanto, ainda é preciso acrescentar “algo” aos dados sensoriais (à sensação) na nossa cabeça para que esses dados possam dar origem a uma “realidade”.

Esse “algo” é o X de Kant ou a “alma” de Platão. Sem a autoconsciência de que a consciência se pensa, não é possível qualquer conteúdo dessa consciência. O X de Kant e a “alma” de Platão são conceitos, e não são noções.

Não é possível definir o conteúdo do “ser”, porque qualquer conceito que se utilizasse para definir o “ser” seria imediatamente preenchido por algo que “é” — ou seja, o conceito já conteria aquilo que deveria ser ele a definir. Portanto, não pode existir qualquer definição de “ser” semelhante à definição de um objecto no mundo que se distinga de outros objectos.

Mas o facto de não ser possível definir o conteúdo do “ser”, isso não significa que o “ser” não exista. Estamos perante uma evidência — a existência do “ser” — que não necessita de qualquer experiência científica para ser verificada. O ser humano tem certezas sem provas; a ciência tem provas sem certezas. Ora, é esse tipo de evidências (as certezas sem provas) que a “ciência” actual pretende anular.

Se a consciência e a percepção se podem explicar pela constituição do cérebro — o que é defendido pela neurociência através daquilo que se chama “Teoria da Identidade” — então “o Eu não é nada mais senão uma hipótese do cérebro” (Susan Blackmore). O que a neurociência hoje defende é o abandono da ilusão de sermos alguém: “o Eu não é mais do que células nervosas que disparam” (Rudolfo Llinas, Patricia Churchland).

Paul Churchland afirma que é possível substituir a frase: “O senhor Pereira pensa que...”, pela frase: “No cérebro do senhor Pereira, disparam no momento T1 os neurónios N1 a N12 do núcleo Y, desta e daquela maneira”. Portanto, segundo a neurociência, o ser humano não pensa realmente de forma autónoma; ou seja, são os processos químicos e físicos dos neurónios que decidem o que eu faço, o que penso e o que sou; e minha vida psíquica e espiritual é secundária.

Karl Popper fez uma crítica demolidora à Teoria da Identidade, chamando à atenção para o facto de esta teoria não poder ter qualquer sentido se obedecer aos seus próprios pressupostos. Se as minhas ideias são produtos ou efeitos da química que se processa na minha cabeça, então nem sequer é possível discutir a neurociência: a teoria da identidade não pode ter qualquer pretensão de verdade, visto que as provas da neurociência são também química pura: se alguém defende uma teoria contrária, também tem razão, dado que a sua química apenas chegou a um resultado diferente. Karl Popper chamou a esta armadilha lógica de “pesadelo do determinismo físico”.

Hoje vivemos em um mundo em que é legítimo dar a uma pessoa uma resposta estúpida a uma pergunta estúpida, porque o pensamento e as crenças não coincidem.

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