sábado, 9 de agosto de 2014

O raciocínio do ateu Ludwig Krippahl acerca da família e da adopção de crianças por pares de invertidos

 

Já algum tempo que não ia ao Icerocket e hoje vi isto. O ateu Ludwig Krippahl, mais uma vez e conforme a tradição dos ateus (porque os ateus também têm tradição!, como toda a gente), pede para “ser debatido”. Vamos lá fazer-lhe a vontade... porque isto até me dá um certo gozo.

“Seguindo a ordem do Orlando, começo por Paulo Otero, professor catedrático de direito constitucional. Alegou ser uma questão importante a de se o legislador deve favorecer a reprodução medicamente assistida ou a adopção. Não vejo o que o legislador tenha que ver com isso. Umas pessoas preferirão uma, outras a outra, e o papel do legislador será apenas respeitar a escolha.”

Respeitar a escolha”. Aqui, faz-se o apelo ao livre arbítrio (já lá iremos).

A lei é vista (pelo Ludwig Krippahl) de tal forma que o Código Civil poderia ocupar uma biblioteca inteira, se cada “escolha” de cada cidadão passasse a ser “respeitada” por lei. Segundo o ateu Ludwig Krippahl, a lei não é geral: pelo contrário, cada facto pode determinar uma lei que serve para “acomodá-lo”. Ora, todas as escolas filosóficas — sérias, porque o ateísmo não é nem sério nem filosófico porque qualquer negação de uma metafísica volta a ser, ela própria, uma metafísica — estão de acordo com a ideia segundo a qual os factos não criam normas, embora as normas possam criar factos. Mas o Ludwig Krippahl pensa ao contrário: segundo ele, os factos criam normas.

O papel do legislador, segundo o Ludwig Krippahl, é ouvir as vontades dos cidadãos, entendidas individualmente, e sem qualquer visão holística da sociedade, e transformá-las em leis. É nisto que consiste “respeitar a escolha”.

“Depois acusa a co-adopção de ser uma estratégia política de destruição do modelo da família, juntamente com a lei do divórcio, do casamento homossexual e das uniões de facto. É uma confusão recorrente e, suspeito, deliberada. Estas alterações apenas alargaram o que a lei reconhece como família. Quem tinha um conceito de família já abrangido pela legislação anterior não teve de mudar nada. A única coisa que isto limitou foi o poder de, em alguns casos, impedir terceiros de constituírem família como desejassem.”

Estas alterações apenas alargaram o que a lei reconhece como família.”. Depois de reduzir a norma (do Direito, neste caso) ao facto, o Ludwig Krippahl vai mais longe: “a família é o que cada um quiser que seja”. A partir deste princípio, qualquer “conceito de família” é igualmente legítima e deve ser legal. Por outro lado, é a lei que determina a ética: a partir do momento em que, por exemplo, a lei permite que um cidadão se “case” com o seu cão, passa a ser eticamente aceitável esse “casamento”.

“Otero alegou também que legalizar a co-adopção em casais homossexuais vai contra o disposto na artigo 69º da Constituição, «O Estado assegura especial protecção às crianças órfãs, abandonadas ou por qualquer forma privadas de um ambiente familiar normal». Porque, segundo Otero, um casal homossexual não constitui uma família normal. Omitiu, no entanto, as limitações que a Constituição impõe ao legislador. Por exemplo, ir à missa todos os dias não é normal. No entanto, não é permitido ao legislador criar uma lei que discrimine uma família que leve as crianças à missa todos os dias porque, por muito anormal que isso seja, a Constituição proíbe a discriminação com base na religião. Como também proíbe a discriminação pelo sexo e pela orientação sexual, se o legislador julgar que ser homossexual é tão anormal como ir à missa todos os dias compete-lhe apenas deixar essa opinião pessoal fora do processo legislativo.”

Aqui, a Constituição já “impõe limitações ao legislador” — agora, o facto já não cria a norma (é como interessa, a cada passo: umas vezes impõe, e outras não; o ideal é que a Constituição imponha a opinião do Ludwig Krippahl).

Para o Ludwig Krippahl, ir à missa todos os dias é equivalente a tomar no cu. Eu percebo perfeitamente que um ateu possa ter essa opinião.

ateuOu seja, para o Ludwig Krippahl, um pai e uma mãe que levem o seu filho à missa todos os dias são tão anormais quanto é anormal que um par de gays eduquem uma criança (mesmo que não queiram) no sentido da normalização cultural da homossexualidade. Para ele, é tudo uma questão de lobotomia cultural da criança: o casal natural mete patranhas religiosas na cabeça da criança, e o par de gays ensina — através do seu comportamento, pelo menos — à criança a patranha segundo a qual “tomar no cu é bom”. As duas “famílias” são equivalentes, e por isso o legislador não pode intervir nem num caso nem noutro, porque, segundo o Ludwig Krippahl, são tão normais uma família como é a outra.

Sinceramente, se eu tivesse que escolher entre tomar no cu, por um lado, e ir à missa diária, por outro lado, eu iria à missa da manhã e à da tarde. Mas isso sou eu.

O que é “normal” é o que está conforme com a “norma” 1 . A “norma” é toda a regra em relação à qual se pode emitir um juízo de valor. Em ciência, o que é “normal” é o que está dentro do eixo central da curva de Gauss. Ora a norma, até ver, não é a homossexualidade. Portanto, a homossexualidade não é normal, nem um “casal” gay é normal.

Portanto, não é normal que uma criança seja adoptada por um par de gays, ao passo que é normal que uma criança seja adoptada por um casal natural. Quando a Constituição se refere ao “normal”, é a isto que se refere. Mas para o Ludwig Krippahl, não existe curva de Gauss aplicável ao comportamento humano.

O Ludwig Krippahl confunde propositadamente o acto (jurídico, ético) da adopção de uma criança (mesmo partindo do princípio de que a criança do casal natural seria adoptada também), por um lado, com o tipo de educação que se dá a essa criança, entendida nos dois casos, por outro lado.

O Ludwig Krippahl incorre na falácia lógica Ignoratio Elenchi: não tem nada a ver o cu com as calças. Se houvesse um critério legal que determinasse que um casal natural adoptante fosse proibido (por lei) de levar a criança adoptada à missa diária, esse critério legal seria independente do facto radical e evidente de um pai e uma mãe formarem um conjunto diferente de dois pais ou de duas mães. O que é normal ou anormal é a família entendida em si mesma (como conjunto de pessoas), e não se a família janta às 20 horas ou às 22 horas. É nisto que consiste a falácia Ignoratio Elenchi.

E a falácia Ignoratio Elenchi continua quando o Ludwig Krippahl compara o comportamento sexual de um par de gays, por um lado, com o comportamento de um casal fanático de futebol.

Em seguida, António Menezes Cordeiro, também professor catedrático de direito, focou o interesse da criança e alegou precisarmos de mais estudos para saber se a adopção por casais do mesmo sexo prejudica a criança, apesar de admitir já haver estudos que indicam o contrário. Mas também não temos estudos que avaliem os efeitos da criança ser adoptada por fanáticos do futebol, pessoas com multas por excesso de velocidade ou que sofram de hipertensão.”

Seria como se eu comparasse o rei Nabucodonosor, por um lado, com Nabonocudosor, por outro lado. Ou que comparasse “a estrada da Beira”, por um lado, com “a beira da estrada”. Ou que comparasse “as picas d'aço do mestre de obras”, por um lado, com “as obras do mestre Picasso”, por outro lado.

Se um casal fanático de futebol é tão anormal como é anormal um par de gays (ou seja, se as duas condições fossem equivalentes, como defende o Ludwig Krippahl), então seria lógico que o Ludwig Krippahl defendesse a ideia de que nem esse casal nem o par de gays deveriam adoptar crianças. Mas o Ludwig Krippahl inverte este princípio: tudo o que é anormal deve adoptar crianças, porque se trata de uma “escolha”, e porque não se aplica a curva de Gauss ao comportamento humano. E tudo depende da subjectividade do juiz. Para o Ludwig Krippahl, o “superior interesse da criança” é mandado às malvas.

“Depois descartou o argumento de que é melhor ter dois pais ou duas mães do que nenhum porque “não podemos justificar um mal com outro mal”. Isto não faz sentido porque a adopção é precisamente um mal que só se justifica para evitar um mal maior. Bom é cada criança viver feliz e amada pelos seus pais biológicos. Tudo o resto é mau.”

Para o Ludwig Krippahl, não há graus de mal. Para ele, é tão má a adopção de uma criança por um casal natural, como é má a adopção de uma criança por um par de homossexuais. Para ele, a negatividade existencial, num caso ou noutro, é equivalente, se não mesmo idêntica.

O que Ludwig Krippahl pretende dizer, por outras palavras, é o seguinte: “o bem entende-se por si mesmo; só o mal constitui problema”. E como o mal constitui um problema, não vale a pena falar dele nem escolher entre o “mais mal” e o “menos mal”: é tudo “mal”.

Existem aqui dois planos diferenciados, que o Ludwig Krippahl confunde. O primeiro é o “mal moral”; o segundo é o “mal físico”. Perante a ausência de respostas em relação ao “mal físico”, o Ludwig Krippahl opta por relativizar o “mal moral”.

O “males físicos” têm a sua origem na inexorabilidade das leis da natureza, e devem-se a uma regularidade na natureza sem a qual não são possíveis decisões morais.

O preço a pagar por um mundo sem “mal físico” seria um mundo no qual não seriam possíveis nem responsabilidade, nem livre arbítrio e nem qualquer concretização de valores humanos. As catástrofes naturais — como por exemplo, a epidemia do Ébola em África — são consequência das leis da natureza e têm como fundamento a regularidade das leis da natureza. O ataque do vírus do Ébola contra o sistema imunitário pressupõe a mesma regularidade físico-química que a defesa contra ele.

A situação dramática e trágica de uma criança sem um pai e sem uma mãe conhecidos, ou uma criança órfã porque os pais morreram num acidente, baseia-se nos mesmos princípios da alavanca que pressupomos também no desengonçar de uma porta.

No caso da situação existencial de uma criança órfã, estamos (por princípio) perante um “mal físico” – e não perante um “mal moral”.

Perante a existência do “mal físico”, o Ludwig Krippahl oblitera (ou no mínimo, relativiza) o “mal moral”. E é aqui que está a contradição entre a defesa do livre arbítrio (a tal “escolha”), por um lado, e o nivelamento do “mal” por uma bitola igualmente negativa que pressupõe um determinismo que nega esse mesmo livre arbítrio.

É uma evidência — porque não precisa de demonstração empírica — que, por princípio e por juízo universal, uma criança precisa de um pai e de uma mãe. E é evidente que uma mulher e um homem, casados, em princípio e por juízo universal, colmatam melhor (por analogia a uma paternidade e maternidade naturais) a situação do “mal físico” de uma criança órfã — quando se compara esse casal natural com dois homens ou duas mulheres. E não é tolerável que se escamoteie ou se relativize o “mal moral” inerente à adopção de uma criança órfã invocando o “mal físico” da sua situação particular.


Nota
1. A norma pode conceber-se em referência quer a um costume mutável ou habitual, quer a um modelo descritivo mais ou menos convencional, como é o caso das normas lógicas ou jurídicas.

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