quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Os ditos “tradicionalistas”, e a adulteração da doutrina das “duas espadas”

 

“Dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus” — Jesus Cristo

A ideia segundo a qual o Estado deve-se submeter à Igreja Católica surgiu apenas na Alta Idade Média (finais do século XII, princípios do século XIII) com a doutrina dos Fraticelli (intelectuais da Ordem dos Franciscanos Menores) que adulterou o conceito de “duas espadas” do Evangelho de S. Lucas. Portanto, é absolutamente seguro dizer que até ao século XII, não fez escola, na Igreja Católica, a adulteração da doutrina das “duas espadas” (Plenitudo potestatis) que só surgiu com o Papa Inocêncio III no século XII, e que a seguir fez escola com a doutrina desenvolvida pelos Fraticelli.

A adulteração da doutrina das “duas espadas” não existe, por exemplo, em Santo Agostinho que, na sua obra Civitae Dei, separou inequívoca e claramente a “cidade de Deus” da “cidade dos homens”. E nem na patrística cristã encontramos resquícios de qualquer defesa da supremacia do Papa sobre o poder político. O próprio S. Paulo não falou de outra coisa: na obrigação dos católicos obedecerem ao poder político quando as leis são justas.

Em reacção à adulteração da doutrina das “duas espadas” realizada pelos Fraticelli da Alta Idade Média, surgiram os teóricos da Razão de Estado que se propagaram nos séculos seguintes e foram o esteio do movimento revolucionário que culminou com a Reforma de Lutero (que submeteu a religião protestante ao poder político). Desde então, o laicismo não deixou de se desenvolver até chegar ao ponto de actualmente perseguir os cristãos.

Em suma, uma parte da Igreja Católica — os Fraticelli — não estão isentos de responsabilidades da actual situação de um laicismo exacerbado e discriminatório. Nunca, até ao século XII, a Igreja Católica tinha defendido a supremacia do poder do Papa sobre os príncipes e reis.

Dizer, como se diz aqui, que um fenómeno político que teve origem no século XII é “tradição da Igreja Católica”, é desconhecimento da História. Os ideólogos do “tradicionalismo” português não sabem o que dizem.

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