quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Sobre o MANIFESTO Contra a Crise: COMPROMISSO com a CIÊNCIA, a CULTURA e as ARTES em PORTUGAL

 

Temos aqui mais uma “introdução geral” 1. Os portugueses herdaram a mania das introduções gerais dos ingleses — por exemplo, Locke escreveu o seu longuíssimo “Ensaio” como “introdução geral” à sua minúscula ética. Muita parra, pouca uva.

O manifesto é de esquerda, porque nele o indivíduo é igualmente considerado, independentemente do seu valor e do seu trabalho. Para a direita, o indivíduo é considerado em função do seu valor e do seu trabalho. Podemos discutir se as opções deste governo, em relação à política de Bolsas na ciência, são positivas ou negativas; mas isso não significa que os indivíduos sejam todos iguais.

Por vezes, ao ler textos como aquele, dou comigo a pensar se não estou dentro da série “Twilight Zone”, em um ambiente surreal onde a imaterialidade se confunde com a realidade. Parece que este país vive em um ambiente de “Twilight Zone”:

“Todavia, urge promover, paralelamente e de forma decidida, uma nova forma de solidariedade: a solidariedade para a criação e para o trabalho. Este novo género de solidariedade é aquele que, tendo por referência o célebre ditado chinês “melhor do que dar o peixe é dar a cana e ensinar a pescar”, aposta em formas inovadoras de produção da riqueza que só estão ao alcance de pessoas empreendedoras e criativas. Foi sempre com pessoas qualificadas que Portugal se afirmou no mundo. E não será diferente agora.”

Esta gente não se dá conta de que o empreendedorismo empresarial não depende de doutorices — e por isso é que não temos bons quadros intermédios nas empresas (não temos bons “sargentos”), porque é suposto que tudo seja “doutor” ou “doutorado” excepto o operário. As contradições, ali, são mais do que muitas.

Há uma coisa em que o manifesto tem razão: o Estado português não tem dinheiro. E também tem razão acerca da necessidade de discutir o critério deste governo na atribuição de Bolsas de Doutoramento. Mas a razão dissipa-se quando é inscrita em uma “introdução genérica, histórico-filosófico-preparatória”.

Nota
1. “Liga-se a este culto a sabichice estreme o portuguesíssimo apego às introduções gerais. Sempre que um típico intelectual lusitano tem por mira instruir-nos sobre determinado assunto — embrenha-nos na selva de uma introdução genérica, histórico-filosófico-preparatória, cheia de cipoiais onde se nos enreda o espírito e onde nunca se avista a estrada recta e livre.

Depois, quando já nos achamos cerca da orla da floresta, principiando-se a enxergar o bom caminho e o objectivo — pronto!, acaba-se o fôlego ao nosso autor e a nós próprios, exactamente no instante em que se ia abordar o tema.” — António Sérgio, (Cartas de Problemática, nº 4), 1952

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