terça-feira, 15 de abril de 2014

A reacção ao absurdo

 

Lembro-me quando, adolescente, li o livro do Albert Camus “O Estrangeiro”: à medida que me ia entranhando na leitura, ia “sentindo” uma estranha ambiência à minha volta, como se o ambiente absurdo em que viviam as personagens do livro “saísse” do romance e impregnasse o mundo real.

O resultado desta hipostasia é uma espécie de vivência real do absurdo por osmose psicológica, que tende a paralisar a acção mental do leitor. Colocados face à evidência do absurdo — em que este se torna nítido — , tendemos ao entorpecimento da mente; mas esse entorpecimento, que é consciente, só acontece com quem identifica claramente as situações de absurdo: para os personagens do livro de Camus, é suposto que vivessem em um absurdo inconsciente.

A vida tem sempre alguma coisa de absurdo, e é (também) por isso é que procuramos uma certa lógica das coisas, uma ordem que se intui ou que se demonstra.

Porém, nos últimos tempos vivemos em um ambiente absurdo que parece tomar conta da vida real (social, cultural, política), excluindo-se qualquer possibilidade de verificação lógica que contrabalance ou compense o coeficiente de absurdidade natural ao mundo. Parece que um mundo irreal de um livro de Camus “saltou” para fora do romance e assumiu vida própria num mundo que deveria ser real; e que os personagens do romance de Camus animam agora o mundo, inadvertidamente inconscientes da absurdidade em que eles próprios vivem.

Perante um absurdo avassalador, sentimos uma certa impotência.

É essa impotência que tende a entorpecer o espírito consciente — porque o espírito inconsciente já está entorpecido por sua própria natureza. Cabe, contudo, ao espírito consciente, o reagir; e por isso é que ele se transforma em um “reaccionário”: é aquele que reage, que não se deixa levar pelo absurdo de uma qualquer narrativa novelesca que tende a envolver o mundo real; que se recusa a aceitar o entorpecimento do espírito induzido pela lógica do absurdo — porque o absurdo tem a sua própria lógica: aquela que se nega a si própria.

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