sábado, 24 de maio de 2014

O vazio ideológico em nome da ideologia

 

O sítio brasileiro de Von Mises é o exemplo do vazio ideológico assumido em nome de uma ideologia revolucionária, não obstante Von Mises ter sido tudo menos revolucionário. Por exemplo, a crítica à China não pode ser feita desta maneira!

 

Desde logo, dizer-se que “a China é uma nação” é não ter a mínima noção do que é uma nação — a não ser que o conceito de nação seja reduzido a uma colecção alargada e difusa de características genéticas. Seria a mesma coisa que dissemos que “a Espanha é uma nação”, quando nós sabemos por experiência própria que a Espanha, enquanto tal, não é uma nação mas antes é um agregado de nacionalidades (nações). Confundir Nação, por um lado, com Estado, por outro lado, é coisa que não se deve fazer.

A sustentabilidade de uma economia é algo que surge de um conceito pré-definido e previamente traçado a régua e esquadro:

“A China é uma grotesca aberração económica, cujo modelo económico simplesmente não tem semelhança a nenhum outro modelo económico já adoptado por algum outro país em algum momento da história — nem mesmo ao modelo mercantilista de estímulo às exportações originalmente criado pelo Japão, e que já se comprovou insustentável.”

Os economeiros dos sítio brasileiro de von Mises separam a cultura, da economia: a cultura torna-se “invisível” (no caso do Japão). Alegadamente, o declínio da economia japonesa deveu-se ao “modelo mercantilista de estímulo às exportações”. A idiossincrasia cultural japonesa parece não ter nada a ver com esse declínio: o mal está no “modelo mercantilista japonês” entendido em si mesmo.

Por outro lado, critica-se uma economia chinesa catalogando negativamente a liderança política:

“O governo chinês está nas mãos de um grupo de velhos comunistas que foram criados sob o regime de Mao.”

Ou seja, se a minha avó tivesse rodas era um Boeing 747.

¿E o que significa “mercantilismo keynesiano”? Ninguém sabe. ¿Será que também existe um “mercantilismo marxista”? Também ninguém sabe.

Quando se critica a dívida da China, os hayekianos brasileiros (porque é Hayek que essa gente defende, e não von Mises) deveriam pensar na dívida dos Estados Unidos. Mas nesse assunto não lhes convém falar: como bons hayekianos brasileiros, os Estados Unidos podem fazer toda a merda do mundo que estão sempre bem colocados na fotografia.

A ideia segundo a qual “a China gastou mais cimento em dois anos do que os Estados Unidos em cem anos”, é estória do Finantial Times para brasuca hayekiano ler. E mesmo que fosse literalmente verdade, esse facto significaria o potencial da economia chinesa, e não o contrário!

O problema da China é o de que não é uma nação — assim como a União Europeia não é uma nação. E mesmo os Estados Unidos tornaram-se em uma nação à força: ainda hoje existem movimentos separatistas nos Estados Unidos.

A China irá “cair” pela exacerbação política das diferenças culturais, e não pela economia: uma economia com mil milhões de pessoas não “cai” de qualquer maneira. O principal problema interno da China é cultural e político, e é pela cultura e pela política que se pode falar em “probabilidade de a China cair”.

2 comentários:

  1. "A China irá “cair” pela exacerbação política das diferenças culturais, e não pela economia: uma economia com mil milhões de pessoas não “cai” de qualquer maneira."

    Também acho que são as diferenças culturais dentro da própria China que poderão trazer novas crises ao governo central no futuro. Mas economicamente a China é uma "coisa" muito estranha que ninguém parece conseguir compreender muito bem em que consiste exactamente...

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    1. Quando surgiu o liberalismo económico através da escola escocesa, também na altura foi entendida como “uma coisa muito estranha” pelos contemporâneos — apesar de em França já existirem os fisiocratas que foram, de facto, os precursores da “mão invisível” na economia. Porém, a crítica ao liberalismo não pode ser feita apenas em pressupostos económicos! — porque a economia resulta de uma determinada mundividência que contem em si valores éticos e metafísicos, ou a negação desses valores que também é uma forma de valor.

      Hoje temos a tendência de reduzir a realidade à economia, o que é um erro enorme!

      O que é novo nem sempre é bom, por um lado, e por outro lado foi sempre visto como “coisa estranha”.

      O sistema chinês (que não se reduz à economia, como se pensa amiúde) é uma realidade nova que tende a uma universalização (por exemplo, a União Europeia do leviatão), o que não significa que seja uma realidade boa. Qualquer crítica a um sistema político tem que ter a “pessoa” (que não é a mesma coisa que “indivíduo”) no centro da análise.

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