quinta-feira, 19 de junho de 2014

A contradição “nacionalista” do Corta Fitas

 

Escreve-se aqui:

“A questão do "nacionalismo" é perigosamente dúbia, enganadora. Quem ler Jean-François Revel (A Tentação Totalitária e Como acabam as Democracias) percebe claramente qualquer movimentação comunista começa por se afirmar "nacionalista", assustando as gentes com a eminência da invasão estrangeira.

Assim procederam também os republicanos portugueses do início do século XX e quando nos empurraram para a matança da I Guerra Mundial”.

Adiante, lemos:

“A verdadeira Direita radica na Nação. Nas comunidades, no Povo, no respeito pelo Passado como indicador de um rumo, o do Futuro. Daí o seu orgulho pela História, vale dizer, pela continuidade do ethos nacional. De uma cultura identificativa. Nos nossos dias, a Direita só pode ter uma meta, jamais uma solução política inamovível.”


Convém que se diga, em abono da verdade, que a principal razão por que a I república entrou na I Guerra Mundial foi a defesa dos territórios ultramarinos, ameaçados pela Alemanha que chegou tarde à Era colonial.

Parece que existem dois conceitos de “nação”, distintos à esquerda e à direita. À esquerda (em uma certa esquerda soberanista representada pelo Partido Comunista), a nação é concebida como uma comunidade natural; e em uma certa “direita” (representada principalmente pelo Partido Social Democrata de Passos Coelho, mas também por Paulo Portas), a nação é vista como o resultado de um contrato, de uma associação voluntária dos seus membros unidos apenas por interesse.

É certo que o Partido Comunista, até há pouco tempo, era internacionalista e agora virou soberanista. Viragens súbitas deste tipo são de desconfiar. Podemos pensar legitimamente que o soberanismo do Partido Comunista é um menos uma convicção do que um instrumento de acção política.

Se a visão da direita em relação à “nação” se reduz a um contrato entre indivíduos, então não faz sentido que se diga que “a verdadeira direita radica na nação” (como se diz no texto referido); é uma contradição em termos. Poderíamos, em vez disso, dizer que “a verdadeira direita radica na comutatividade das relações entre indivíduos que define a nação”. Esta é, de facto, a direita neoliberal. Mas aqui, a nação deixa de fazer sentido histórico, mas antes assume uma dimensão presentista e revolucionária. Se a nação é produto de um mero contrato entre indivíduos, o passado histórico da nação é relegado para o olvido e apenas o presente é relevante — um presente omnipresente.


A nação pode ser definida como uma comunidade natural na qual cada um se inscreve, em primeiro lugar, devido ao facto do seu próprio nascimento; e depois devido a uma História comum, a uma língua comum, e a uma cultura comum. Uma nação é uma realidade que se impõe aos indivíduos, independentemente da sua escolha. Esta é a minha noção de “nação”.

Mas existe um outro conceito de “nação”, em que esta já não é uma comunidade natural mas antes um resultado de um mero contrato entre indivíduos que decorre da vontade discricionária individual. Ou adoptamos a primeira noção de “nação” ou a segunda. Não há aqui meio termo. Não há aqui possibilidade de “sol na eira e chuva no nabal”.

“A verdadeira Direita despreza os extremismos. Somente os gradua nas consequências da sua loucura.”

Temos que saber o que significa “extremismo”. Defender o primeiro conceito de “nação” ¿é ser extremista?! Ou ¿será que reduzir a nacionalidade a um mero contrato é uma forma de extremismo?

“Sequer a verdadeira Direita se foca no prisma ideológico. Há muito percepcionou o seu fim - as ideologias são meramente pretextos, conforme hoje bem se alcança das discussões parlamentares em torno do Estado Social vs. o famigerado neoliberalismo.”

O termo “ideologia” foi criado pelo francês Destut Tracy (1754 – 1836) para designar o projecto de uma ciência genealógica das ideias. Podemos definir “ideologia” como um sistema de ideias que reflecte uma determinada representação do mundo (este sistema de ideias pode ser mais ou menos dogmático).

A afirmação de que “já não existem ideologias” é sempre feita em um contexto ideológico — ou seja, é a ideologia segundo a qual “não existem ideologias”. A negação das ideologias é (ou faz parte de) uma ideologia.

1 comentário:

  1. Por causa dessa conversa lembrei-me de como o Karl Marx definia a ideologia: "Conjunto de idéias que procura ocultar a sua própria origem nos interesses sociais de um grupo particular da sociedade".

    Devia ser isto que o neoliberal estava a pensar lá por trás hehe.

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