Há textos que começam muito bem, mas depois, pelo meio, surge uma ou outra ideia que “borra a pintura”. É o caso deste: a certa altura, escreve-se:
“Da mesma forma que, na idade média, se acreditava que tempestades e terramotos eram castigos divinos pelos pecados humanos, hoje há quem identifique num furacão a consequência directa da exploração petrolífera. A ciência substituiu a religião, mas o raciocínio manteve-se – continuamos a acreditar que tudo depende só de nós.”
Na Idade Média não se acreditava que “tudo depende só de nós”. Aliás, a proposição em causa é auto-contraditória, porque um castigo divino não “depende só de nós”. Um castigo divino é prerrogativa da liberdade divina, e portanto reconhece-se que existe um livre-arbítrio da divindade.
Pelo contrário, a ciência substituiu a liberdade — seja a do Homem, seja a de Deus que é negado — por um determinismo que se pretende basear em um nexo causal (causa → efeito) que na realidade não existe senão em algumas leis da natureza que se baseiam em estatísticas e constatações de facto realizadas no passado — não há nenhuma garantia ou certeza de que a lei da gravidade, por exemplo, se aplicará da mesma forma no futuro.
Dizer que “a ciência substituiu a religião” é um sofisma; comparar ciência e religião — ou colocar a ciência e a religião em um mesmo plano de análise — é outro sofisma.
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