terça-feira, 21 de outubro de 2014

As três dimensões da Realidade

 

“A distinção entre matéria e espaço vazio teve que ser finalmente abandonada, quando se tornou evidente que as partículas virtuais podem ser criadas espontaneamente, a partir do vazio, e nele desaparecem novamente, sem que esteja presente algum nucleão ou qualquer outra partícula que interactue fortemente.

As partículas formam-se a partir do nada e desaparecem novamente no vácuo. De acordo com a “teoria de campo”, acontecimentos deste tipo estão constantemente a acontecer. O vácuo está longe de se encontrar vazio. Pelo contrário, contém um ilimitado número de partículas que surgem infinitamente.”

→ Fritjof Capra, “O Tau da Física”, página 184

Temos que compreender alguns conceitos exarados no texto supracitado, como por exemplo, os conceitos de “nada”, “vazio”, “partícula virtual”. E temos também que perceber a linguagem metafórica e anti-positivista não só de Fritjof Fritjof Capra, mas também a da maior parte dos físicos actuais.


Imaginemos que estamos na Idade Média e pretende-se explicar a cor verde das folhas no Verão. Naturalmente que ainda não temos (porque estamos na Idade Média) a noção científica de “clorofila”. Um positivista medieval diria o seguinte:

“Não sei por que razão as folhas das árvores são verdes no Verão. Não tenho que me preocupar com isso, porque esse assunto pertence à metafísica, e não à ciência. Empiricamente não podemos verificar por que razão as folhas são verdes. As folhas no Verão sempre foram verdes, e por isso não faz qualquer sentido questionarmo-nos sobre factos óbvios e evidentes.” duende

Mas um anti-positivista medieval diria o seguinte:

“É possível que, durante a noite, uns pequenos duendes verdes pintem as folhas de verde; e por isso é que, quando amanhece, verificamos que as folhas continuam verdes. Não podemos afirmar isto com certeza, mas é uma possibilidade.”

Entre a posição do positivista e a do anti-positivista, eu prefiro a do último — porque mais vale uma qualquer tentativa de explicar um fenómeno do que nenhuma. A ciência é feita através de tentativas de explicação da realidade — teorias muitas vezes falsas. Mas mais vale uma teoria falsa do que nenhuma.


Conforme podemos verificar no discurso dos físicos actuais e no de Fritjof Capra em particular, prefere-se ter uma qualquer teoria, a não ter nenhuma — ou seja, a física actual é anti-positivista nomeadamente porque se baseia em grande parte no formalismo matemático.

O facto de a física actual ser anti-positivista não significa que descure ou despreze a verificação: o positivismo é uma forma de ver o mundo, uma filosofia (digamos assim) que coloca o empirismo acima de qualquer outra dimensão da realidade. Esta é a razão por que os cientistas apresentam uma “esquizofrenia” metodológica: ora são positivistas, ora são realistas.


Fritjof Capra, na sua qualidade de cientista, é obrigado a dizer que “as partículas elementares virtuais surgem do nada”.

Note-se que uma “partícula virtual” não tem massa, e por isso não é matéria no sentido clássico e positivista do termo. O “nada” surge aqui como uma espécie de “fonte” de onde “brotam” as partículas elementares “virtuais” desprovidas de massa que dão origem — através de uma interligação ou interacção entre elas — , às “partículas reais” (com massa). Por isso é que Stephen Hawking diz que “o universo surgiu do nada” — da mesma forma que o nosso anti-positivista da Idade Média dizia que “os duendes verdes pintavam as folhas de verde durante a noite”.

O físico francês Roland Omnès prefere dizer “abismo”, em vez de “nada”. Diz ele que “as partículas elementares virtuais surgem do abismo e desaparecem nele”  1

Baseada no facto de as partículas elementares virtuais “surgirem do abismo”, colocou-se a hipótese do Multiverso — mas esta hipótese apenas posterga qualquer tentativa de explicação do surgimento deste ou de qualquer outro universo possível. Portanto, a hipótese do Multiverso é uma “fuga para a frente”, uma tentativa de “empurrar com a barriga” o problema do Ser e/ou da Existência.

“¿Por que existe algo em vez de nada?” — perguntou Leibniz. Fritjof Capra diz que o “algo”, de Leibniz, surge do “nada”.

À luz da metafísica, o “nada” (segundo Fritjof Capra, ou o “abismo”, segundo Roland Omnès) já ultrapassa a imanência da dimensão quântica da realidade, e já entra pela transcendência adentro. O “nada” transcende a imanência da realidade quântica.

Temos, portanto, pelo menos, três dimensões distintas da Realidade:

  • a dimensão “material” macroscópica, determinada pela Força Entrópica da Gravidade, que é aquela que nós percebemos através dos cinco sentidos;
  • a dimensão quântica da Realidade gerida pela Força Quântica, que é imanente à anterior e regula o “avanço” do espaço e o “curso” do tempo;
  • e a dimensão transcendente da Realidade, que é aquilo a que Fritjof Capra metaforicamente chama de “nada”, e que é a dimensão da Realidade de onde surge a “matéria-prima” que fabrica o universo.

Nota
1. “A Filosofia Quântica”.

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