“Será que ainda existem católicos que acham que Deus se enganou ao dizer que o ser humano é homem e mulher?” → Frei Bento Domingues
1/ Frei Bento Domingues cometeu propositadamente um erro lógico: de facto, Deus não se enganou ao dizer que o ser humano é homem ou mulher. É “ou”, e não “e”. O erro lógico do Frei Bento Domingues só pode ser propositado. Se perguntarem a um lógico “se é homem ou mulher”, ele responderá que “sim”. Mas parece que para o Frei Bento Domingues, a lógica é uma batata.
2/ O discurso de Frei Bento Domingues é errático. Ele perde-se nas suas próprias palavras. Escreve o frade:
«Aquilo que Jesus introduziu de mais perturbador no mundo religioso, económico, social e político do seu tempo, foi a insegurança: não oferecer respostas pré-fixadas para todas as situações e interrogações da vida. Pelo contrário, semeou dúvidas, inquietações e possíveis alternativas a um universo bem organizado e com respostas para sempre, “em nome de Deus”.»
Jesus Cristo pode não ter oferecido “respostas pré-fixadas para todas as situações e interrogações da vida”, mas deu-nos uma bússola interior que funciona como resposta a cada uma das situações e interrogações da vida. Essa bússola interior veio para ficar; o frade já não a pode erradicar da cristandade.
“As tentativas de reduzir os Evangelhos a dogmas e a tratados teológicos bem articulados, sem falhas, nunca poderão funcionar bem enquanto houver possibilidade de confrontar essas certezas com as narrativas da liberdade de Deus e da liberdade humana.”
O frade entra em contradição: se os Evangelhos têm “falhas”, como ele pressupõe, então é tudo uma questão de interpretação, o que significa que é uma questão de escolher um dogma ou outro dogma qualquer. É uma questão de interpretação das falhas: uns dirão dogmaticamente que “as falhas são estas”, e outros dirão dogmaticamente que “as falhas são aqueloutras”.
Por outro lado, o frade torna a cometer um erro lógico: é “liberdade de Deus ou da liberdade humana”. É “ou”, e não “e”. A liberdade de Deus não se mistura nem se confunde com a liberdade humana. ¡Grande confusão vai naquela cabecinha octogenária … !
3/ Se há conceito difícil de definir é o de “liberdade” (humana), mas o frade fala como se existisse uma noção insofismável de “liberdade”.
Para o Frei Bento Domingues, parece que o Homem é livre porque age; mas a verdade é que o ser humano age porque é livre. Liberdade não é a mesma coisa que libertinagem: liberdade pressupõe responsabilidade (a liberdade não é apenas negativa); nem devemos utilizar o argumento da “liberdade” para tentar justificar racional e/ou eticamente um qualquer comportamento contra-natura, ou para tentar erradicar a culpa — como se fosse possível que o ser humano pudesse viver sem culpa. Podemos reprimir psicologicamente a culpa, fazer de conta que ela não existe, mas essa é a maior violência que podemos desferir contra nós próprios.
Mas o frade pensa sempre ao contrário; sempre foi do reviralho.
4/ O frade admite que “os consensos não são absolutos”; mas admite também que há consensos mais absolutos que outros — nomeadamente aquele consenso que a mundividência dele impõe aos outros. Porém, temos que convir que o conceito de “consenso absoluto” é uma contradição em termos, porque “consenso” pressupõe “relativismo” e doxa.
Se o concílio do Vaticano II acontecesse hoje, com a visibilidade permitida pela comunicação social, não teria certamente o desfecho que teve. O frade que se habitue ao consenso em relação ao qual não partilha — se bem que seja certo que a doutrina da Igreja Católica não vai a votos.
“O importante é que a assembleia cristã seja uma família de muitas famílias que respeite a diversidade, não como um favor, mas como um direito de todos e um dever de diálogo permanente.”
Falar em “diversidade” não é falar naquilo que é concreto e objectivo: antes, é uma abstracção que nos conduz ao infinito e, portanto, ao ininteligível.
O “diverso”, sendo a desmultiplicação ad infinitum das características que separam radicalmente as identidades dos termos em análise, reúne em si tudo o que não pode ser incluído no discurso filosófico ou racional. A abstracção do conceito de “diversidade” é uma armadilha ideológica que o Frei Bento Domingues utiliza da mesma forma que qualquer militante do Bloco de Esquerda.
Não podemos estar abertos à “diversidade” per se; temos que saber que tipo de “diversidade” estamos a falar. Se estivéssemos abertos à diversidade por uma questão de princípio, teríamos que tolerar e permitir, por exemplo, a excisão ou mutilação genital feminina.
“Finalmente, começam a cair alguns tabus.”
O filósofo Leszek Kolakowski, que se converteu do marxismo para o Cristianismo, chama enfaticamente à atenção para o facto de não só ser importante que as convicções morais tenham de ser fundamentáveis, mas também o facto de uma pessoa ter de se sentir culpada se não as cumpre. A capacidade de se sentir culpado não resulta da afirmação de que este ou aquele juízo de valor esteja correcto ou errado. O medo da pena legal também não seria a causa de sentimentos de culpa, mas sim a capacidade de poder pôr em questão a própria posição dentro da ordem cósmica.
Escreve Kolakowski:
“Não se trata do medo da vingança, mas sim um sentimento de receio respeitoso perante a própria acção que perturbou a harmonia do mundo, um receio que não resulta do desrespeito de uma lei, mas sim de um tabu...O tabu é tanto o pilar inalterável de qualquer sistema moral viável como também uma parte integrante da vida religiosa; por isso, o tabu constitui uma ligação necessária entre a veneração da realidade eterna e o conhecimento do bem e do mal... A cultura consiste num cânone de tabus ou, dito de outra maneira, uma cultura sem tabus é um círculo quadrado.”
O frade está enganado. Os tabus não caíram. O que acontece é que as pessoas vão tendo uma maior consciência da razão de ser dos tabus. É por isso que pessoas como Frei Bento Domingues acabam por ser necessárias— “Deus escreve direito por linhas tortas”: também Judas Iscariotes foi necessário —, não porque contribuam para o fim dos tabus, mas porque ajudam as pessoas a compreender por que razão os tabus existem.
O frade tem que mudar de credo ou calar-se. Já nos cansa esta lonjura, este bater ideológico de picareta do Zeitgeist.
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