domingo, 18 de janeiro de 2015

A ciência e o sentido da vida

 

Quando a ciência — os cientistas — se metem na filosofia, e principalmente na metafísica e na ética, normalmente dá merda: julgam que estão a filosofar quando apenas “opinam”. Confundem filosofia com opinião.

Ter construído um formalismo qualquer não significa tê-lo interpretado; ter tornado eficaz uma ciência não chega para lhe esgotar o conteúdo. Mesmo nas suas formas mais arcaicas, a ciência mudou continuamente o panorama da filosofia, é verdade; mas sem nunca conseguir suplantá-la! A força considerável  da ciência não chega para destruir a filosofia. A filosofia conservará sempre o seu próprio domínio e o seu próprio modo de ser e proceder.

Quando tropeça em um problema de interpretação de uma teoria, o cientista é tentado a resolvê-lo sem rigor, segundo a sua filosofia “espontânea”, ou seja, à  luz unicamente das suas concepções pessoais — um realismo ingénuo ou um positivismo anacrónico. É difícil ao cientista eliminar as aporias que provêm de definições recebidas sem crítica ou de argumentos empilhados de maneira arbitrária.


O Diogo Queiroz de Andrade cita aqui a “explicação” que um apologeta do cientismo — o apresentador da série de televisão “Cosmos” Neil deGrasse Tyson — dá a uma criança acerca do sentido da vida. Diz ele:

“Muitas vezes as pessoas presumem que o sentido da vida é algo que as pessoas podem procurar e encontrar, sem considerar a possibilidade de que o sentido da vida é algo que se cria – para nós e para os outros.”

“Por isso, quando penso no sentido da vida, pergunto-me: aprendi alguma coisa hoje que não soubesse ontem? Isso leva-me um bocadinho mais perto de conhecer os segredos do universo, por mais longe que eles estejam.”

Nesta perspectiva, cada ser humano que se dedique com todo o empenho a uma tarefa leva, de facto, uma vida que faz sentido. Todos aqueles que tentam fazer o melhor da sua vida — por exemplo, “aprender alguma coisa que não soubesse ontem, os segredos do universo” — têm um objectivo à  sua frente e, por isso, um sentido para a sua vida.

No entanto, o que é notório nesta argumentação é a norma subjectiva que é aplicada pelo Diogo Queiroz de Andrade e pelo pseudo-cientista comentador de televisão. De acordo com esta perspectiva, só a própria pessoa pode saber se a sua vida tem ou não sentido.

Como seria a resposta ao “sentido de vida” se considerássemos a vida de Hitler?

Ele tinha, com certeza, a impressão subjectiva de que a eliminação de milhões de seres humanos lhe oferecia uma vida com sentido. O mesmo se poderia dizer de Estaline que criou os Gulag e dormia a sesta profundamente satisfeito no seu sofá no Kremlin.

A impressão subjectiva de levar uma vida com sentido não chega para garantir que essa impressão esteja correcta.

Pelo contrário, tem que se admitir que também devem ser considerados aspectos que transcendem o sujeito, portanto, aspectos que vão para além dele. Por esta razão, deve colocar-se a questão sobre o sentido da vida humana enquanto tal. Mas este é outro assunto com o qual não vale a pena perder tempo com o Diogo Queiroz de Andrade e com o Neil deGrasse Tyson.

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