segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Pierre Duhem, a ciência, e a obsessão dos biólogos em relação a Deus

 

 


Pierre Duhem foi um físico muito importante para a filosofia e história da ciência. Foi um físico, e não um biólogo. O único biólogo importante para a história da ciência foi Darwin que não era biólogo. A biologia continua a ter uma visão cartesiana da natureza e da vida, embora a maioria dos biólogos nem sequer saibam como pensava Descartes; penso mesmo que muitos deles nem sequer têm a ideia precisa de quem foi Descartes.

DuhemSegundo  Pierre Duhem, uma teoria científica não tem por finalidade explicar os dados observáveis — o que seria transformar a ciência em metafísica, na medida em que a teoria se pronunciaria acerca da natureza do real —, mas antes uma teoria científica procede a uma classificação lógica dos fenómenos segundo um princípio de economia (navalha de Ockham).

Assim, uma teoria científica é uma abstracção que permite resumir leis experimentais de uma forma convencional: uma teoria científica é um sistema abstracto construído por convenção, por um lado, e por outro  lado, uma teoria científica não explica nada acerca os fenómenos observados, entendidos em si mesmos. 

Os princípios fundamentais da teoria científica não pretendem enunciar as propriedades reais dos corpos: em vez disso, os princípios fundamentais são hipóteses arbitrariamente escolhidas e em relação às quais se exige que sejam coerentes entre si, e que demonstrem as observações e as medidas efectuadas.

Quando a ciência começa a pronunciar-se acerca da natureza do real, transforma-se em metafísica. Hoje já não temos ciência: temos metafísica praticada por ratos de laboratório.

“O erro fundamental da apologética e da filosofia da religião é focar demais no argumento e descurar a explicação. Um argumento exprime um processo de inferência que interliga conceitos e proposições que concebemos na nossa mente, enquanto uma explicação pretende descrever relações entre os aspectos da realidade que queremos explicar.

Isto impõe à explicação restrições adicionais que permitem distinguir mais objectivamente entre explicações melhores e piores. Por exemplo, se partirmos da premissa de que Deus existe e encarnou em Jesus podemos argumentar que o cristianismo é verdadeiro. Ou então, se assumirmos que não existem deuses, podemos argumentar que o cristianismo é falso.

Estes argumentos são igualmente válidos e o mais persuasivo será apenas aquele que partir da premissa preferida. É por isso que se pode andar milénios a argumentar estas coisas sem sair da cepa torta.”

Isto foi escrito por alguém que se diz apologista da ciência e ateu. Mas repare, caro leitor, há no trecho uma série de confusões.

Desde logo, a ideia segundo a qual  o argumento é uma característica da linguagem que nada tem a ver com a verdade e com a realidade (porque, alegadamente, “o argumento está apenas na nossa mente”), separando-se a linguagem, por um lado, e a inteligência e a consciência, por outro  lado.

É como se a linguagem não fosse inerente a uma inteligência e a uma consciência: isola-se a primeira em relação às  duas últimas. Separando a linguagem, por um lado, e a inteligência e a consciência, por outro  lado, a linguagem passa a ser flatus vocis que não tem nada a ver com a verdade e com a realidade (“está apenas na nossa mente”).

Dizia S. Tomás de Aquino que “a verdade é adequação do intelecto à  realidade”.

A verdade — ou o argumento que pretende validar uma verdade — é uma propriedade da linguagem apenas e só na medida em que a linguagem é uma propriedade de uma inteligência que pressupõe uma consciência. A linguagem não é um fenómeno isolado ou que possa ser isolado; e “adequação ao real” (segundo S. Tomás de Aquino) não significa “cópia fiel do real”, porque a acção da inteligência, interpreta — e porque de outro modo não seria inteligência, mas uma espécie de máquina fotocopiadora.

Portanto, não podemos separar a linguagem (por exemplo, a linguagem do formalismo matemático), por um lado, da inteligência e da consciência, por outro  lado.

Depois, uma “explicação científica” (como vimos em  Pierre Duhem) não explica nada, porque uma “explicação científica” dissocia-se da compreensão (dos fenómenos entendidos em si mesmos). O cientista não investiga o significado de um fenómeno (a atracção, por exemplo) quando tenta “explicá-lo” — antes enuncia uma lei, ou seja, uma correlação constante entre um certo número de parâmetros que deverá permitir que esse fenómeno seja “apercebido” (e não “percebido”).

Por isso é que nós dizemos que a ciência não explica nada: em vez disso, descreve. Em ciência, e em vez de “explicação”, deveríamos dizer “descrição”.
 
Colocar em contraposição o argumento, por um lado, e a descrição científica, por outro  lado, seria analogamente como colocar em oposição alhos e bugalhos, sabendo-se que uma coisa não tem nada a ver com a outra. Apenas obtemos uma confusão de vegetais. Argumento e descrição científica não se opõem porque pertencem a domínios diferentes da realidade.

Se a ciência não explica nada e apenas descreve as correlações entre os fenómenos, ¿será que devemos abdicar de qualquer tentativa de explicação dos fenómenos? A ciência actual (Feyerabend) responde a esta pergunta da seguinte maneira:

“A ciência tem a exclusividade não só da descrição dos fenómenos, mas também da sua explicação segundo critérios materialistas. Ou seja, a metafísica passou a fazer parte da ciência, por um lado, e a metafísica só pode ser materialista, por outro  lado.”

Os biólogos, ou ateus — porque são sinónimos — imaginam Deus como um homem muito velho com umas longas barbas brancas que vive acima das nuvens.

E se alguém lhes disser que Deus = Causa do Universo, os ateus ou biólogos dizem que não pode ser, porque a causa do universo não pode ter barbas brancas. Ora, se é verdade que a causa do universo não pode ter barbas brancas, segue-se que Deus não existe — porque Deus é imaginado pelos biólogos como algo existente, como um calhau existe, ou como um velho de barbas brancas existe no espaço-tempo. Discutir com biólogos é perda de tempo.

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