“Em 2012, o Tribunal de Sintra mandou retirar a Liliana Melo, uma cabo-verdiana de 34 anos, sete dos seus dez filhos para que fossem adoptados. Na altura, o caso tornou-se mediático. Do processo de protecção das crianças, constavam várias medidas que Liliana tinha de cumprir. Mas que não cumpriu, como escreve o Público. Entre elas encontrava-se a obrigatoriedade de se submeter a uma intervenção de laqueação das trompas, que nunca quis fazer.”→ Observador : Supremo Tribunal considera legal a decisão de tirar os filhos a Liliana Melo
“Uma lei injusta não é lei. Perante uma lei injusta, não a cumprir não é desobedecer, mas simplesmente reconhecer que essa lei simplesmente não existe”. — S. Tomás de Aquino
Opõe-se frequentemente a legalidade 1, e a legitimidade que remete para a ideia de equidade, de bem fundamentado, de bom Direito, de Justiça propriamente dita; e a legitimidade apela a valores considerados superiores aos das leis estabelecidas pelo Direito Positivo.
Neste sentido, existe o perigo do legalismo, ou seja, o perigo de uma atitude que consiste em levar à letra a lei. Ora, a lei pode ser injusta na sua aplicação porque não tem em consideração, na sua abstracção e carácter geral, as situações particulares. A lei também pode ser injusta no seu próprio princípio, nomeadamente se trair o seu carácter geral e se tornar discriminatória.
Ademais, as leis (jurídicas) podem ser consideradas superiores ao simples respeito das leis. Mas, neste caso, é a questão da legitimidade da recusa de obedecer que se coloca — por exemplo, com a objecção de consciência dos médicos em relação ao aborto.
Obrigar uma mulher a laquear as trompas não é legal nem legítimo. Não existe, em Portugal, qualquer lei que obrigue uma mulher a laquear as suas trompas de Falópio.
Quando o Supremo Tribunal de Justiça invoca a desobediência de Liliana Melo (na medida em que esta recusou laquear as suas trompas de Falópio) para lhe retirar os filhos e enviando-os para adopção — já não estamos em um Estado de Direito. O Estado de Direito não pode ser aqui invocado. Obrigar uma mulher a laquear as suas trompas de Falópio parece uma lei da Alemanha nazi.
Quando Hitler enviou os judeus para os campos de concentração, a decisão do estupor também foi legal. Foi legal mas não foi legítima. Pelo facto de o Supremo Tribunal de Justiça ter corroborado corporativamente os tribunais inferiores, não significa que a lei ou a sua interpretação tenha sido legítima, embora possa ser legal.
Naturalmente que explicar isto à Rita Cipriano, do Observador, (que por até escreve “certinho”, segundo o Acordo Ortográfico, obedecendo caninamente à lei do Estado), parece-me perda de tempo.
Nota
1. A simples conformidade às leis, sem avaliar previamente o seu bom fundo ou o carácter justo ou injusto
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