terça-feira, 8 de setembro de 2015

A ciência descreve, mas não explica

 

O Ludwig Krippahl escreve um texto longo sobre três textos longos meus. Como cantou José Afonso, “já nos cansa esta lonjura...por aqueles olivais perdidos, foi-se embora o vento norte”. Portanto, vou-me concentrar apenas na primeira parte do texto do Ludwig Krippahl, no qual ele afirma que “explicar” é o mesmo que “descrever”:

“No primeiro post, Braga afirma que «a ciência não explica: em vez disso, descreve» (1). É uma afirmação curiosa porque uma explicação também descreve e o que a ciência faz é precisamente procurar as melhores explicações que, por o serem, são também a melhor forma de descrever a realidade”.

Ludwig Krippahl

Quando consultamos um dicionário, vemos que “explicar”, no sentido lato, significa esclarecer, tornar compreensível, tornar inteligível — por exemplo, explicar um texto, ou explicar um símbolo, ou explicar um enigma. Ou seja, no dicionário encontramos definições nominais que assentam em uma convenção prévia.

Por exemplo, se a sociedade convencionar que o casamento inclui a ligação afectiva e sexual entre os seres humanos e os canídeos, a definição nominal de “casamento” — a que consta dos dicionários — passa a incluir essa ligação. Teríamos, então, que o casamento incluiria (segundo os dicionários) a ligação afectiva e sexual entre um homem e uma cadela.

Porém, e para além das definições nominais (a tais que constam dos dicionários), existem as definições reais que são as que resultam das características invariavelmente observadas a partir dos dados da experiência. Os dados da experiência indicam que a ligação afectiva e sexual entre um homem e uma cadela é uma parafilia a que se convencionou chamar de “zoofilia” — e não propriamente “casamento”. Portanto, por muito que a política pretenda alterar a noção de “casamento” incluindo nela a zoofilia, por exemplo, a definição real de “casamento” não se deixa alterar pelo desejo ou capricho humanos.


Na definição nominal, “explicar” é clarificar, tornar inteligível o que surge, à primeira vista, obscuro e enigmático. Quando se refere a um produto cultural, a explicação actualiza a estrutura subjacente, esclarece o que está implícito e os pressupostos daquilo que investiga — por exemplo, um texto, uma obra, um mito, etc. — visando encontrar o seu significado: o objectivo da explicação é, neste caso, a compreensão do objecto estudado.

O mesmo não se passa no domínio dos fenómenos naturais.

No domínio dos fenómenos naturais, a explicação dissocia-se da compreensão. Em boa verdade (que não é a do Ludwig Krippahl), o cientista não investiga o significado de um fenómeno (o fenómeno da atracção, por exemplo) quando tenta explicá-lo. Em vez disso, enuncia uma lei — ou seja, uma correlação constante entre um certo número de parâmetros — que deverá permitir que dele se aperceba.

O cientista não procura razões; antes, procura causas: apenas trata de estabelecer relações constantes entre dados observáveis e responder à pergunta: “¿Como?” — não procurando compreender a natureza intima dos fenómenos (por exemplo: “¿porque se atraem os corpos?”).

Deste modo, por exemplo, “explicar” a origem do universo através do Big Bang não é compreender a sua razão de ser. Por isso é que eu digo que “a ciência descreve, mas não explica”.

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