Uma das características do Neanderthal era a ausência da divisão do trabalho entre a mulher e o homem. E foi esta uma das razões por que o Neanderthal se extinguiu; a mulher Neanderthal ia à caça com o homem e deixava a prole mal alimentada, dias a fio, no acampamento. Descobertas de esqueletos crianças do Neanderthal revelavam uma grave mal-nutrição — o que já não acontecia, na mesma época há 30 mil anos, como o homo sapiens sapiens.
“A mesma coerência se pode aplicar ao estrépito pelas declarações de Paulo Portas, afirmando que as mulheres têm de organizar a casa, pagar as contas a dias certos e prestar cuidados a pais e filhos. Bom, eu que pertenço à geração de partilha de tarefas domésticas achei esta visão do papel feminino um tanto anacrónica, mas sei bem que ainda é a que se aplica na maioria dos agregados familiares. Não é por acaso que tanto se discute o tema da sobrecarga que as mulheres têm por acumularem emprego com a quase totalidade do trabalho doméstico. Paulo Portas constatou um facto, não defendeu nenhuma suposta ordem natural da organização familiar”.
A Maria João Marques escreveu um artigo em que revela uma contradição (dela): a possibilidade de haver menos Estado na sociedade, por um lado, e por outro lado, conjugando-se com essa possibilidade, a necessidade de eliminação da divisão de trabalho entre a mulher e o homem.
Ou seja, é mais coerente a Esquerda, como por exemplo o Jugular: a Esquerda percebe perfeitamente que o Estado Providência é a única forma de transformar o homo sapiens moderno em um Neanderthal actualizado.
Basta uma guerra defensiva para que o Neanderthal moderno seja derrotado e se extinga novamente; ou então, perante a guerra, o Neanderthal moderno é obrigado a rever a sua mundividência. Porém, a Esquerda lavra aqui também em uma contradição: um Estado Providência não evita guerras: pelo contrário, quanto mais Poder tem um Estado, maior a probabilidade de o alvedrio da elite estatal actuar à revelia da opinião pública.
Portanto, temos uma dura realidade. Não é por que se convenciona dizer que “o céu não é azul, mas antes é verde”, que o céu deixa de ser azul — porque o que conta é a experiência da cor azul, e não o nome que damos à cor azul. O problema é este: ¿como se transformam processos físicos objectivos numa experiência subjectiva? E como é que a subjectividade pode negar a realidade objectiva?
O feminismo de Esquerda (por exemplo, o Jugular) e o de Direita (por exemplo, a Maria João Marques) defendem a ideia segundo a qual, afinal, a organização da sociedade Neanderthal era a ideal e não deveria ter sido extinta. De certo modo, recusa-se a História e os factos. Nega-se a realidade. E a culpa é do homo sapiens sapiens — esse machista! — que contribuiu activamente para a extinção do coitado do Neanderthal que ia com a mulher à caça e deixava os filhos abandonados na caverna.
A diferença é que o Jugular defende a que caverna do Neanderthal, onde fica a prole enquanto a mãe e o pai vão juntos à caça, deve ficar a cargo do Estado plenipotenciário — ao passo que a Maria João Marques defende que esse Estado plenipotenciário e protector não deve existir. Ou seja, a Maria João Marques pretende o sol na eira e a chuva no nabal.
Diz a Maria João Marques que “Paulo Portas constatou um facto, não defendeu nenhuma suposta ordem natural da organização familiar”.
Ora, o facto é, por definição, um dado da experiência com o qual o pensamento pode contar. O facto não é o Direito!. O enunciado de uma lei científica, acerca de um fenómeno natural, transforma-a em facto que não se confunde com o fenómeno em si mesmo; e um fenómeno só é um facto se não for "imaginário". Ora, Paulo Portas não imaginou o facto que a Maria João Marques descreve: esse facto, constatado por Paulo Portas, é um dado da experiência.
Ao longo da História, pelo menos desde a Antiguidade Tardia, sempre houve mulheres (heterossexuais) que não casaram por opção, não tiveram filhos, e/ou viveram vidas mais ou menos libertárias e independentes dos homens. O que é novo, na sociedade Neanderthal moderna, é a confusão entre o facto, por um lado, e o fenómeno natural entendido em si mesmo, por outro lado: misturam-se os factos e os fenómenos naturais em uma amálgama que conduz à negação da realidade.
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