segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Eutanásia: um desejo privado não é automaticamente um direito público

 

Alguém escreveu o seguinte:

« Desenvolvimento de cuidados paliativos e dignidade para morrer não são incompatíveis nem mutuamente exclusivos.

"NINGUÉM TEM O DIREITO DE OBRIGAR SEJA QUEM FOR AO SOFRIMENTO, À DOR, À AGONIA, COMO NINGUÉM TEM O DIREITO DE ANTECIPAR A MORTE DE UM DOENTE QUE NÃO O QUEIRA FAZER" (roubado ao João Semedo). »

Deixem de ser ignorantes


Desde logo, existem no textículo supracitado duas falácias lógicas informais: a primeira é o ad Hominem. Quem não concorda com a criatura que escreveu aquilo é “ignorante” — embora ela não explique por que razão é ignorante. É ignorante, “porque sim”! A outra falácia é de apelo à autoridade: não é porque o João Semedo é licenciado em medicina que está habilitado a pronunciar-se sobre questões éticas ou jurídicas. Ou seja, o João Semedo pode ter a sua (dele) opinião, mas não tem uma qualquer autoridade de direito ou de facto nessa matéria.

Ademais, o desejo (privado) de uma pessoa não se transforma automaticamente em direito (público).

Mas é assim que aquela criatura pensa: o desejo individual é sempre passível de ser transformado em direito, alegadamente “desde que não prejudique outrem”. Ora, o conceito de “prejuízo de outrem” é deliberadamente desvalorizado e obnubilado.


eutanasia-cadeiras
Se a eutanásia for legalizada, as pessoas com doenças terminais, ainda que não estejam em grande sofrimento físico, serão informadas pelos médicos acerca da possibilidade da eutanásia; ou seja, os médicos dirão detalhadamente a essas pessoas — muito antes da fase terminal da doença em que o sofrimento físico se acentua — quais as consequências futuras da evolução da doença em termos de dor e sofrimento; e isto para salvaguardar os requisitos de “consentimento informado” necessários para a “eutanásia voluntária”.

Por outras palavras: quando o médico detecta uma doença incurável no doente, informa-o imediatamente da possibilidade da eutanásia (cumprindo, assim, os requisitos legais de “consentimento confirmado”), muito antes de se manifestarem, no doente, quaisquer dores extremas.

O doente (a quem foi diagnosticado uma doença terminal) e que não queira ser eutanasiado, ouvirá inevitavelmente do médico, de amigos e de familiares, o relato da trágica prognose de sofrimento e dor — entrando em dissonância cognitiva em relação às suas próprias convicções anti-eutanásia; e tenderá, lógica- e obviamente, a aceitar a eutanásia (mesmo contra as suas convicções) para evitar o fardo do sofrimento — o que terá como consequência um sofrimento acrescido: o de se sentir culpado por ter violado a sua própria consciência.

Um doente a quem foi diagnosticada uma doença terminal, poderá viver, por exemplo, mais dois anos. Se ele opta por ser eutanasiado, poderá não ser beneficiado por avanços da ciência na área da doença dele.

Por outro lado, o doente pode procurar a eutanásia por motivos altruístas (mesmo que se oponha à eutanásia por objecção de consciência) para que não seja um peso em relação à família, ou porque não quer ser um peso em relação aos recursos escassos do Serviço Nacional de Saúde.

O doente que não deseja a eutanásia entra em um estado de ansiedade, com receio de ser incluído no rol das vítimas. Pessoas muito doentes ou débeis, internadas em hospitais ou lares de idosos, encontram-se muitas vezes em estado de confusão mental e/ou psicológica; por exemplo, é vulgar a regressão emocional. O facto de ele saber que pessoas à sua volta estão a ser eutanasiadas pode causar nele um estado permanente de medo.

A família do doente eutanasiado (que seja moralmente contra a eutanásia) sofrerá mais a morte dele do que se se tratasse de uma morte natural.

Se quem vê o ser humano como um animal sem alma tem o direito a ser eutanasiado, a verdade é quem se opõe moralmente à eutanásia não deve ser desconsiderado. Ou seja, a legalização da eutanásia não serve o interesse público, mas antes serve apenas o interesse privado dos filhos-de-puta que a defendem.

Se a eutanásia for legalizada sem regulamentação, aqueles que não queiram ser assassinados tornar-se-ão vítimas involuntárias (a lei contra o homicídio fica fragilizada). Se a eutanásia for legalizada com uma regulamentação apertada, envolvendo o governo e o Estado na matança, aqueles que não concordam com a eutanásia serão envolvidos na situação contra a sua vontade.

Uma vez que o envolvimento do Estado no processo de eutanásia será o de apenas promover o interesse privado e particular (e não o bem comum), a acção do Estado infringirá injustamente a liberdade de todos aqueles que não concordam com a eutanásia como um bem — o que torna ilegítima a acção do Estado.

O problema coloca-se, em suma, nas seguintes condições: existe uma contradição insanável entre os interesses privados daqueles que defendem a eutanásia (que vêem no ser humano um simples animal, sem alma, e que podem ser abatidos como um qualquer animal), por um lado, e por outro lado os interesses da maioria e do bem comum. Não é possível conciliar aqui os interesses de ambas as partes.

Ou seja, a legalização da eutanásia não é possível sem injustiça.

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