domingo, 19 de junho de 2016

A metafísica também é passível de experiência

 

O Ludwig Krippahl confunde aqui (propositadamente, digo eu) “experiência” e “experimentação”:

“Entre cientistas que desprezam a filosofia como mera especulação de sofá e filósofos que a dizem intelectualmente superior, muitos alegam que a diferença entre ciência e filosofia é que a ciência é experimental e a filosofia é conceptual. É um erro sedutor mas o exemplo da matemática, alegadamente semelhante à filosofia na sua pureza intelectual, ajuda a duvidar da distinção. Por um lado, a matemática é mais parecida com a física do que com a filosofia. Tão parecida que os físicos mais famosos eram matemáticos. Ou vice-versa. Por outro lado, porque a matemática é fundamentalmente empírica. Só no início do século XX é que se tentou formalizar a noção de número numa teoria lógica sobre conjuntos. Além da noção de conjunto provir também da nossa experiência, durante dois mil e tal anos, de Euclides a Frege, ninguém sentiu falta de uma definição formal de “número”. Aqui estão três cabras, ali duas maçãs e este é um pau para dar na cabeça de quem se puser com perguntas parvas. A matemática sempre foi, e ainda é, uma abstracção da nossa experiência empírica. Tal como a física, a biologia e a química. E a filosofia.”

É vulgar confundir-se “experiência” e “experimentação”: a experimentação é científica (no sentido de ciência positivista), mas a experiência pode não ser. Por outro lado, confunde-se “experiência subjectiva” e “experiência intersubjectiva”, sendo que esta última também pode ser chamada de “experiência objectiva”. Aquilo que é “objectivo” é sempre intersubjectivo (na dimensão humana da realidade).

Em ciência, “experimentação” é o conjunto dos meios e procedimentos de controlo destinados a verificar uma hipótese ou uma teoria.

O que o Ludwig Krippahl pretende dizer é que “o ser humano age em função da sua experiência” — o que é uma verdade de La Palisse. Mas “agir em função da sua experiência” (seja uma experiência acumulada pela ciência — modus ponens — e/ou intersubjectiva, seja uma experiência subjectiva) não significa “agir de forma empírica”.

O “empirismo” define a primeira relação entre o sujeito pensante e a exterioridade como constitutiva do essencial do conhecimento; mas esta definição é injustificável, porque, em princípio, o empirismo ficaria, assim, desprovido de qualquer discurso; e é em função desta impossibilidade de qualquer discurso que o empirismo contesta a possibilidade da filosofia. E por isso, a filosofia não pode ser empírica no sentido que se dá a “empirismo”; nem tão pouco a física moderna é empírica; e a matemática também não é empírica neste sentido. Não devemos confundir empirismo, por um lado, e experiência, por outro lado.

Há que clarificar estes conceitos, sob pena de entramos em uma logomaquia.


A ideia do Ludwig Krippahl segundo a qual “a ética evolui” é comparável à ideia segundo a qual “a lógica evolui”. A verdade é que o aparecimento de novos problemas éticos não significa que “a ética evolui”, assim como o aparecimento de novos problemas matemáticos não significa que “a lógica evolui”.

Quando o Ludwig Krippahl fala em “progresso da ética”, pretende dizer que existe um “progresso dos valores”, entendidos em si mesmos — alegadamente, os valores também evoluem. Para ele, os valores não têm uma validade intemporal, e, por isso é que (segundo ele) “a ética progride”, como progride a ciência. O Ludwig Krippahl vê todas as transformações civilizacionais como uma forma de “progresso” determinístico, à maneira de Hegel e de Karl Marx. Desta forma, a História tem um Eidos (uma forma) em que o progresso é uma lei da Natureza. Mas a verdade é que basta uma geração de bárbaros para deitar na pia o progresso inteiro; mas, ainda assim, o Ludwig Krippahl consideraria os bárbaros como intérpretes do “progresso”.


Quando a matemática descobriu o bosão de Higgs, a física não acreditou nela porque vivia na experiência do passado, e a matemática já vivia no futuro. O problema do Ludwig Krippahl continua a ser a recusa da metafísica — o que é uma forma de metafísica. O Ludwig Krippahl vive em contradição permanente.

Por exemplo, na física quântica, o “fundamento empírico” é muitas vezes a negação do empirismo. A quântica verifica fenómenos que vão ao arrepio do empirismo, ou seja, verifica “empiricamente” que o empirismo não é aplicável. Quando a física quântica verifica (por inferência) que as ondas quânticas não têm massa (e por isso não são matéria propriamente dita), o empirismo entra pelo cano abaixo.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Neste blogue não são permitidos comentários anónimos.